domingo, julho 16, 2006
as coisas aqui escrevem-se com o útero
porque há pigmentação nas frutas e nos legumes que travam o envelhecimento precoce da pele, porque existem cores e sentidos escritos com líquidos chegados do corpo vivo
(orifícios que não conheço por não serem meus: orifícios teus)
- um dia senti o cheiro do medo na minha cama depois de te teres levantado,
escreveste com as pontas das unhas nos meus lençóis
m-e-d-o
e hoje eu descasco cebola sozinha para um refugado especial: o teu corpo cortado em lascas num tacho de alumínio ao lume enquanto penso naquilo que deixaste escrito com parte do teu corpo,
unhas
- o medo e a cebola fazem-me chorar
e porque há coisas que dizemos através de palavras que podem ser assomadas de intensidade se à frente do nosso interlocutor cortarmos ossos de um joelho humano a servir em prato principal num almoço de primeiro dia do ano
- doeu-me tanto ver o que escreveste de mim nos nossos lençóis: tive de te apanhar os ossos, perdoa-me
ontem à noite foi uma almofada na barriga que me lembrou o ar a entrar e sair de mim
- porque vivo
(a almofada)
para cima
para baixo
- tenho o corpo alugado, só isso
para cima
para baixo
- e tenho pena do dia em que o tiver de deixar
para cima
para baixo
- debaixo da terra, mal protegido num caixão a devorar por bichos gulosos de visco cheios de fome:
uma fome de mim como nunca sentiste
para cima
para baixo
um dia morro porque o ar deixa de fazer almofadas na barriga subirem e descerem
-como o amor que o teu medo nos destruíu
para cima
para baixo
como quando somos felizes e só queremos andar descalços a dançar nus pela casa a dançar abraçados
- eu queria tanto andar nua contigo sem que sentisses medo
para cima
para baixo
e ai, percebo então que é possível que tenha morrido, e que, como tudo
- o medo e um tacho de refugado ao lume
para cima
para baixo
não sei como te dizer isto de outra forma mas não queria ser eu hoje a servir o jantar.
quinta-feira, julho 06, 2006
the attic
porque eu nunca achei que isto fosse possível: acordar aflita com as paredes a respirar perto de mim
- tão aflita para escrever
porque eu nunca achei que a asfixia fosse tão forte que parecesse real de morte, porque eu sempre achei que o recorte das linhas do meu corpo fosse existir para sempre dentro das tuas: eu sempre me quis coser a ti
mas hoje, quando me sentei para beber leite na cozinha, ouvi o último suspiro da mulher que se enforcou nos ponteiros do relógio da sala
- uma mulher bonita vestida de mim
alguém lhe jurou que não ia sofrer.
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