terça-feira, dezembro 19, 2006

ver as pessoas nuas ajuda-me a ser feliz

calças de ganga
slips
soutien
camisola de lã
casaco preto com capuz
botas
shampôo
amaciador
creme de banho








and I´m not free.

domingo, agosto 20, 2006

"Adoro Hollywood e Los Angeles. Eu adoro Hollywood. Ali tudo é de plástico.
Eu quero ser de plástico"

Andy Warhol



Eu nunca vou querer ser de plástico.

domingo, agosto 06, 2006

Trinta e três

como uma doença que cresce nas paredes da sala de estar, os meus pêlos crescem à maneira de árvores tristes semeadas nas pernas magras à velocidade do fogo
(às vezes os pêlos pediam o corte e eu negava-me para que se desenvolvessem e eu pudesse olhar-me ao espelho e sentir-me meio homem meio mulher)

eu nua com pêlos nas pernas crescidos e seios rijos perfeitos sou uma pessoa triste meio homem meio mulher
- o que é que sentes quando pões as mãos nas minhas árvores?




Há entradas num corpo novo por descobrir. Quando me senti pronta a explorar-me deitei-me nua no sofá até os ver olharem-me em fila: as fotografias da sala
- a minha mãe, o meu pai, os meus quatro irmãos, os avós mortos, os tios em cima do móvel a olhar para mim deitada

para que não olhassem para mim, para mim agora árvore
- sou uma árvore triste com medo

cada moldura, cada retrato virado de castigo para a paisagem bonita da parede
- para que não me vissem àrvore: meio homem meio mulher

a descobrir entradas secretas no meu novo corpo nu
- eu meio homem meio mulher.

domingo, julho 16, 2006

as coisas aqui escrevem-se com o útero



porque há pigmentação nas frutas e nos legumes que travam o envelhecimento precoce da pele, porque existem cores e sentidos escritos com líquidos chegados do corpo vivo

(orifícios que não conheço por não serem meus: orifícios teus)
- um dia senti o cheiro do medo na minha cama depois de te teres levantado,
escreveste com as pontas das unhas nos meus lençóis
m-e-d-o

e hoje eu descasco cebola sozinha para um refugado especial: o teu corpo cortado em lascas num tacho de alumínio ao lume enquanto penso naquilo que deixaste escrito com parte do teu corpo,

unhas
- o medo e a cebola fazem-me chorar



e porque há coisas que dizemos através de palavras que podem ser assomadas de intensidade se à frente do nosso interlocutor cortarmos ossos de um joelho humano a servir em prato principal num almoço de primeiro dia do ano
- doeu-me tanto ver o que escreveste de mim nos nossos lençóis:
tive de te apanhar os ossos, perdoa-me


ontem à noite foi uma almofada na barriga que me lembrou o ar a entrar e sair de mim
- porque vivo


(a almofada)

para cima
para baixo
- tenho o corpo alugado, só isso


para cima
para baixo
- e tenho pena do dia em que o tiver de deixar

para cima
para baixo
- debaixo da terra, mal protegido num caixão a devorar por bichos gulosos de visco cheios de fome:
uma fome de mim como nunca sentiste

para cima
para baixo
um dia morro porque o ar deixa de fazer almofadas na barriga subirem e descerem
-como o amor que o teu medo nos destruíu

para cima
para baixo
como quando somos felizes e só queremos andar descalços a dançar nus pela casa a dançar abraçados
- eu queria tanto andar nua contigo sem que sentisses medo

para cima
para baixo
e ai, percebo então que é possível que tenha morrido, e que, como tudo
- o medo e um tacho de refugado ao lume

para cima
para baixo
não sei como te dizer isto de outra forma mas não queria ser eu hoje a servir o jantar.


quinta-feira, julho 06, 2006

the attic




porque eu nunca achei que isto fosse possível: acordar aflita com as paredes a respirar perto de mim
- tão aflita para escrever

porque eu nunca achei que a asfixia fosse tão forte que parecesse real de morte, porque eu sempre achei que o recorte das linhas do meu corpo fosse existir para sempre dentro das tuas: eu sempre me quis coser a ti

mas hoje, quando me sentei para beber leite na cozinha, ouvi o último suspiro da mulher que se enforcou nos ponteiros do relógio da sala
- uma mulher bonita vestida de mim

alguém lhe jurou que não ia sofrer.



segunda-feira, junho 19, 2006

A race for rats to die

Há um bolo de chocolate grande em cima da mesa da casa onde se construíu uma festa.
Há esta mulher encostada à porta da cozinha, a olhar o bolo desde o momento em que aqui chegou. Há esta mulher a dizer ao bolo revestido da negritude viscosa do chocolate
(a dizer com as mãos que tremem na surdina das costas)
- que ninguém me abra com essa faca, que ninguém

porque se virmos bem, a mulher encostada à porta transpira o olhar para o bolo desde o minuto em que aqui chegou
- que ninguém me faça isso, que ninguém me corte com a faca

porque se atentarmos melhor, o bolo é fisicamente parecido com ela: envernizados os dois na pele que lhes cobre a carne, ambos lânguidos nos seus lugares, ambos quietos na espera do estremecimento daquilo que se há-de fazer ali
- não me quero exposta, não me façam isso

e no fim dos parabéns, do silêncio das velas apagadas, a faca entrou no bolo e a mulher encostada à porta caíu morta na simultaneidade do acaso.

Ontem cortei as unhas a pensar em ti.

quarta-feira, junho 14, 2006

Bolha


como se isto não passasse disso mesmo; uma bolha enorme, convexa, onde toda a gente no mundo pudesse caber, onde todos tivessem o seu lugar determinado à hora do jantar, onde eu ao lado do Lobo Antunes pudesse partilhar a mesma sopa de espinafres enquanto ouvia

(exactamente como me disse na feira do livro)
- se todas as meninas da faculdade de letras fossem como a menina, eu iria lá mais vezes

ao que eu responderia
- eu gostei tanto de si quando tinha 19 anos, eu queria tanto abraçá-lo quando tinha 19 anos:
porque é que esperei na fila se eu gosto tanto de si?

porque o meu processo criativo envolve ouvir Muse contando as pombas que passam lá fora, de nariz colado ao vidro quando
(quando)
quando lá fora o som da chuva a cair é o mesmo som cristalino vertido da boca das virgens negras no amanhecer moçambicano, no meio do capim, no meio do nada que é tudo:

o amanhecer que cheira a um tacho de goiabada a fazer-se, borbulhante
(a bolha )
vigiado pelos olhos e pelas mãos atentas da irmã Elvira.
Isto porque há muito tempo que a materialidade do prato,
da colher
da faca
do garfo
e do copo
alinhado coerentemente à minha frente
(o copo de levar à boca para beber)

deixaram de ter o significado de outrora:
a magia da condução do alimento a fazer-se nós
- eu sou o bife de ontem do jantar; o leite com café do pequeno-almoço.
eu sou o bolo de chocolate da minha madrinha que comi anteontem: sou o chá de tília que me levantei para fazer às 4:32 da manhã quando o sono desistiu de mim e eu fui à procura dele para a cozinha com os meus dois pés
(fomos os três sozinhos para a cozinha à procura dele)

e acabámos os seis a pensar em ti
(eu, os meus dois pés, a chávena, a colher e o acúçar)

a pensar em nós a fazer amor na tua cama no momento em que disse
- preciso fazer amor contigo 5 vezes ao dia para conseguir pensar

e a tua resposta fácil a fazer-se num abraço apertado que me leva o corpo para dentro do teu: como se isto não passasse disso mesmo; uma bolha enorme, convexa, onde toda a gente no mundo pudesse caber, onde todos tivessem o seu lugar determinado à hora do jantar; onde eu ao lado do Lobo Antunes pudesse partilhar a mesma sopa de espinafres enquanto ele dizia,
dizia.





quinta-feira, junho 01, 2006

O cheiro do tempo




isto é tudo parte da floresta como podem ver,

temos a terra cá em baixo, temos oxigénio das árvores, temos árvores, temos pica-paus e rouxinóis, temos folhas, folhas verdes e flores do tamanho do pé. Temos madeira para fazer mesas,temos mel que vem das abelhas, temos abelhas roliças a esfregarem barrigas no polén das flores
-odeio abelhas

temos borboletas, nuvens azuis cor de água no céu, temos velhos carvalhos, temos grossas bolotas espalhadas pelo chão, temos fadas e gnomos e vento a bater na ponta do nariz para fazer espirrar

- tenho saudades daquilo

temos coelhos brancos em tocas, temos cheiro a relva molhada quando chove
-eu não queria que chovesse hoje, hoje não

temos mochos de olhos grandes que conseguem ver a noite lúcida
-promete-me que hoje não chove

temos caminhos de terra preta cor de nada, temos a pele das árvores a pedir-nos abraços
-hoje, quando era hoje há um ano atrás eu vi o que pouca gente viu e vivia descalça

temos, temos musgo colado á força das raízes, temos caracoletas e caracóis a passearem o corpo na estrada abanando a cauda para dizerem olá.
Temos passarinhos de asas partidas sem força para voar
-ás vezes queria tanto apanhar o metro descalça

e temos ninhos, ovos, frutos bravos
- todos os dias à noite estico o meu sonho para chegar até ai

e temos o som do vento, temos o som dos bichos, temos a essência da música mais perfeita
- e rezo, rezo a sério, para não se esquecerem de nada do que um dia foi

temos tudo.
Temos sobretudo aquilo que sobra quando a floresta nos recorda o cheiro do mundo no outro lado do mar.

sexta-feira, maio 26, 2006

O poema que não é

O ritual do alimento.
O estrangular da comida na garganta depois de submetida ao sofrimento provocado pela tortura da mastigação: aqui
aqui na boca, no sítio onde dentes fortes coabitam à maneira de casas americanas com jardim
- em sentido, cima das gengivas

e onde tudo é sempre vermelho
tudo é tão vermelho
tudo é tão quente
tudo é húmido
- eu sempre quis viver dentro da minha boca.


Talvez por isso me cuspo tanto; por pôr tantas vezez as mãos na boca na tentativa de juntá-las dentro
(dentro da minha boca)

para me poder sentir na minha língua
nos dentes
para me poder ter na saliva que caí
(queria tanto poder sentir-me mais)

e talvez por isso me deixaram aqui, longe de todos:
longe daqueles que acham que andar nua na rua de mãos na boca
é insanidade criminosa
(mãos na boca embebidas em saliva do corpo)
-da boca

é estranho.






quinta-feira, maio 18, 2006

Revisitação




Sonhei que havia ficado grávida
do filho do dono da farmácia Assunção
por ele me ter olhado para as pernas
numa terrível aflição.



Não sei se me olhava assim por ter umas pernas bonitas, ou se por estarem crivadas de cortes.

Sei que o olhar dele me havia engravidado e eu vim a casa pedir ajuda para ter um filho que me saiu pela boca.
E todos os médicos disseram que eu tinha uns óptimos maxilares para parir.
Quando acordei, ainda tinha bocados de placenta a escorrerem-me dos lábios: porque ele saiu-me mas o que era dele ainda está em mim.

sexta-feira, maio 12, 2006

Reflexus

uma sala cheia de gente a transpirar-se em cadeiras caladas: como se a relação corpo-cadeira fosse estabelecida sobre o inequívoco
sobre o óbvio.


Foi quando se começou a falar de lírica Camoniana que os meus olhos olharam para o canto da sala grande de espaço, quando os meus olhos olharam a ficcionalidade do

absurdo:
há no canto da sala indicada uma pessoa a tremer de malária, um bebé pequeno a cheirar à malária que o vai matar

- eu um dia vi na cara de um bebé humano a cara da malária, a cara amarela da malária sorridente a dizer-me
olá


olá
como se o pudesse dizer sem receio, sem medo, como se o corpo dele fosse já dela e nada houvesse a ser feito.

quarta-feira, maio 03, 2006

Dança de gatos

gosto quando me cortas as unhas dos pés à noite e dizes
- amo-te como nunca amei ninguém

a tua boca, os teus dentes, o desenhos dos teus lábios todos juntos fazem tudo parecer tão real como gelado de menta a derreter na boca num dia quente de Verão Moçambicano.


Gosto de lamber-te as costas, gosto de lamber-te do fundo das costas ao início natural da cova do pescoço. Gosto de na mesma tirada de humidade de boca efectivar cada instante de saliva em cola que nos concentre as p-a-r-t-e-s
- porque tu és de mim na mesma pele, na mesma parte

e eu enrolada em ti nua, à maneira de piton amarela que procura a asfixia do seu objecto de sedução, a asfixia do que lhe será alimento




Foi mais tarde quando dormimos que ouvi, por debaixo da cama, os meus sapatos de salto alto pretos a dizerem um ao outro que se sentiam sós.

quarta-feira, abril 26, 2006

Deita-te aqui

As horas doem-me nos olhos quando os abro para me ver.
O cansaço tomou-me de ponta, testando-me em limites de exaustão nunca antes propostos: eu estou pronta a morrer de amor por ti, só.

Estou grávida no canto da boca, no contorno dos dedos.
Tenho reproduções nossas em todas as partes do meu corpo, sei vê-las no espelho pela manhã quando me dirijo a ele para dizer-lhe
olá
- olá espelho, olá a mim no espelho



Os teus dedos fazem falta ao meu corpo, e tudo se transforma à minha volta num enorme circuito de chávenas de chá vazias em noites por encher.

A certeza do teu regresso ao fim do dia faz geribérias crescer-me na raiz das unhas.

quinta-feira, abril 13, 2006

A Mosca




Esta pequena hora,
sem o teu vulto, sem a tua espera,
foi uma hora triste;
foi como quando se acorda em primavera
já quando a primavera não existe.



(Figueira da Foz, 14 de Agosto de 1939: Miguel Torga)



A primavera sentou-se no carro e partiu.
Eras tu quem guiava o carro e eu não percebi. Colei o meu rosto triste ao vidro da janela e assisti-vos na partida.
Os meus olhos acompanharam-vos enquanto puderam e ficamos na janela a sofrer os três:
eu e os meus olhos.

Apareceu sem avisar uma varejeira na janela; matei-a com a ponta gentil dos dedos da mão direita virando-lhe o corpo de barriga para cima
- sem medo, sem pena

e soube esmagá-la atenciosamente pressionando os meus dois dedos lúcidos nela.
Imediamente os senti húmidos de morte. Era a minha mão assassina que sentia o sangue semi-frio
- como o doce da pastelaria que leva chocolate e chantilly

o sangue semi-frio da mosca: os meus dedos sujos do sangue da mosca gorda morta no vidro da janela grande do meu quarto.

O tempo da mosca se apartou.



quinta-feira, abril 06, 2006

Amo-te tudo


- Olha assim para mim e diz que me amas como fazes quando me queres despir

Sirvo-te uma sopa vermelha de sangue, uma sopa de bocados de carne da minha barriga que agora trago tapada em tecido para que não a saibas assim, para que não me descubras arquitecta de malvadez
- não quero que vás embora mas não aprendi a dizê-lo

tens malas feitas e tomas a tua última refeição nesta casa como se nada fosse, como se eu nada mais te fosse
- olha assim para mim e diz que me amas quando

a sopa quente fervilha no teu prato e eu olho em angústia a forma bruta como levas a colher aos lábios: bocados de mim a entrar em ti como eu sempre quis, como eu sempre desejei
- porque é que nunca me deste um filho ?

e eu
- um filho
a crescer-me na barriga arrancada

olho-te de soslaio enquanto
- sempre quis um filho teu

enquanto me como, enquanto me como também a mim na minha última sopa contigo
quente

uma sopa quente de carne minha : tenho mais pedaços de carne minha a ferver ao lume, fiz mais a contar com a tua fome de mim.

Eu gosto mais do suco da sopa, tu gostas mais da carne
- sempre nos completámos assim por partes, vizinha


Depois de ires vou-me sentar a chorar para ver televisão. Vou sentir daqui os teus passos até às malas, vou saber daqui o momento em que fechaste a porta e te foste de mim.
Aqui me saberei para sempre.

"To fear love is to fear life, and those who fear life are already three parts dead."


segunda-feira, março 20, 2006

I do love you

Moçambique, 20 Março 1953


Amor meu:

Quando receberes isto já devemos ter-nos encontrado e as saudades já devem ser menores.

Acordei num dia estranho, apetecia-me passar o dia colada às tuas costas como às vezes fazemos por graça enquanto passeamos juntos:
estar colada a elas faz-me carne continuada em ti
faz-me sentir pertence teu
bocado teu
carne tua


- se tu fosses um esquilo eu seria a esquila bonita do bosque por quem te deslumbrarias.

Imagino que roirías nozes a pensar em mim, abririas bolotas direcionando o teu pensamento para a minha boca peluda a mordê-las: nada teria mais sentido na minha vida de esquila do que ter-te nela.

Seria a esquila cheirosa que espera na árvore.

quarta-feira, março 08, 2006

Girls power

Lembro-me que gostavas de Cure.
Lembro-me do tempo que levava a fazer malas para apanhar Alfas, lembro-me de achar que qualquer hotel na cidade desconhecida ia servir perfeitamente: lembro-me de contar minutos.

Lembro-me de uma noite de santos populares, lembro-me do emplastro, lembro-me de teres passado mal e de pensar que podias morrer ali: lembro-me de sempre ter havido uma Julieta trágica em mim.

I would say I’m sorry
If I thought that it would change your mind
But I know that this time I’ve said too much
Been too unkind I try to laugh about it
Cover it all up with lies
I try andLaugh about it
Hiding the tears in my eyes

’cause boys don’t cry

Lembro-me de ver Amelie Poulin e achar-me parecida com ela, lembro-me da tua pronúncia torta que me fazia rir, lembro-me de achar-te o máximo; de ir ás compras contigo para um jantar feito por nós - a fingir
numa casa que era nossa- a fingir
num amor que talvez tivesse funcionado- a fingir.

Lembro-me de numa noite perceber que não dava mais.

Lembro-me de comer chocolate e chorar, lembro-me de achar que foder era a única solução.
Lembro-me daquilo que se sente na ponta dos dedos quando alguma coisa nos diz ao ouvido que não dá mais.
Lembro-me de saber que ias e voltavas, e lembro-me de achar que tudo não passava senão de uma enorme taça de gelatina de cores com ar la dentro:

um dia uma colher fez-nos um enorme favor e matou-nos.


I would break down at your feet
And beg forgiveness

Plead with you
But I know that

It’s too late
And now there’s nothing
I can do
So I try to laugh about it

Cover it all up with lies
I try toLaugh about it

Hiding the tears in my eyes
’cause boys don’t cry

Choras tu agora por uma miúda vulgar que fez as malas de ti para outro.
Rio-me do peso que a ironia carrega nos homens e passeio-me num jardim de lótus japoneses temendo por ti:
acredito piamente que sofres.

I would tell you
That I loved you
If I thought that you would stay
But I know that it’s no use
That you’ve already
Gone away
Misjudged your limits
Pushed you too far
Took you for granted ...
I thought that you needed me more
Now I would do most anything
To get you back by my side
But I justKeep on laughing
Hiding the tears in my eyes
’cause boys don’t cry
Boys don’t cry

Lembro-me de um dia achar que se chorasse mais a minha pálpebra esquerda acabaria por rebentar e já me reconhecia numa qualquer ambulância a caminho do hospital:
lembro-me do riso adulto de alguém que me chamou ridícula e me convidou para ir às compras.
Lembro-me de ter aceite.

Lembro de descobrir que o tempo é um aliado brilhante nas questões do amor: traz-nos a pessoa certa para passarmos o resto da vida, afasta-nos de erros.

And yes boy...men do cry.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

logic is the ruin of the spirit

A dor israelita será sempre preferida ás bombas palestinianas porque os carros ficaram brancos pela seda da neve que caiu sem ninguém esperar, porque raramente dois pares de lábios cristalizam assim

- num toque de tempo que se faz momento
um momento estático para análise num determinado espaço

numa determinada posição

numa determinada organicidade que se quer perceber.




- porque nós os dois não estamos assim, eu não estou na nossa cama despida-sentada e tu não estás de pé para ires vestido, tu não estás de pé de costas para mim, para mim sentada :
eu não estou triste a querer dar-te beijinhos nas costas que pedissem desculpa por mim


(os beijinhos pequenos nas costas têm efeitos curativos milenares e ninguém sabe)

a querer que me deixes aninhar em ti porque o teu corpo é o resto do meu
é a continuação do meu
é o fim do meu.


Há alguém que nos quer congelar os lábios para nos microscopiar, para nos pormenorizar, para nos entender, para nos ver aqui na nossa cama onde fazemos amor com o tempo lá fora, ás escondidas dos outros



(nós, o nosso corpo e o tempo lá fora)

e ontem, ontem depois de nós contaram-me o fim da estória de amor que te falei por alto: a estória de amor da mousse de manga do frigorífico e uma mulher que sabia que a mousse lá estava.

Foi ontem que me contaram,
foi ontem que me disseram
que a mousse de manga recusou a boca que a havia querido por pertença.


A mousse de manga, ao contrário do previsto, atirou-se ao chão na recusa daquilo que sabia que se ia cumprir através dela, no ritual de alimento

(a boca a alimentar rejeitada pelo alimento)


mas a travessa de mousse ganhou vida própria e preferiu a aniquilação.
A mousse de manga deixou de amar.
O desejado deixou de se querer desejar.



Há teorias possíveis que me levam a suspeitar que esta mousse de manga entrará num ciclo de vida budista e renascerá como mulher.
Uma linda mulher com um respeito de solenidade por todas as mousses de manga em frigorificos com mais de 1 mês que esperam
- que esperam

que anseiam gélidas a colher que as ame como alimento sagrado de dádiva divina; a colher certa que as engorde e as faça felizes.
A felicidade sabe a mousse de manga.


Os lábios?
Juntos, quem sabe se não pela eternidade.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Ele

A bicicleta pela Lua
A bicicleta pela Lua dentro
- Mãe, Mãe -

A bicicleta pela lua dentro - mãe, mãe -
Ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites russos.
Que hei-de fazer senão sonhar
Ao contrário, quando novembro empunha -
Mãe, mãe - as telhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro - minha mãe – com as suas praças
Descascadas.

A neve sobre os frutos - filho, filho -
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto - meu filho – os satélites
Sonham pela lua dentro, na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplandecentes.
As grandes letras descascadas:é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
Minha mãe, minha máquina -
Mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.

Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
Limpo como um alfabeto. E as praças
Dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe – como janeiro resplende
Nos satélites russos. Filho – é a tua memória.

E as letras estão em ti, abertas
Pela neve dentro. Como árvores, aviões
Sonham ao contrário.
As estátuas com polvos na cabeça,
Florescem com mercúrio.
Mãe – é o teu enxofre do mês de novembro,
É a neve avançando na sua bicicleta.

O alfabeto, a lua.

Começo a lembrar-me: eu peguei na paisagem.
Era pesada, ao colo, cheia de neve.
Ia dizendo o teu nome de janeiro.
Enxofre – mãe – era o teu nome
As letras cresciam em torno da terra,
As telhas vergavam ao peso
Do que me lembro. Começo a lembrar-me:
Era o atum negro do teu nome,
Nos meus braços como neve de janeiro.

Novembro – meu filho – quando se atira a flecha,
E as praças se descascam,
E os satélites tão russos avançam,
E na lus floresce o enxofre. Pegaste na paisagem
(eu vi): era pesada.
O meu nome, o alfabeto, enchia-a de laranjas.
Laranjas de pedra – mãe . Replendentes,
As estátuas negras no teu nome,
No meu colo.

Era a neve que nunca mais acabava.

Começo a lembrar-me: a bicicleta
Vergava ao peso desse grande atum negro.
A praça descascava-se.
E eis o teu nome resplendente com as letras
Ao contrário, sonhando
Dentro de mim sem nunca mais acabar.
Eu vi. Os aviões abriam-se, quando a lua
Batia pelo ar fora.
Falávamos baixo. Os teus braços estavam cheios
Do meu nome negro, e nunca mais
Acabava de nevar.

Era novembro.

Janeiro, começo a lembrar-me. O mercúrio
Crescendo com toda a força em volta
Da terra. Mãe – se morreste, porque fazes
Tanta força com os pés contra o teu nome,
No meu colo?
Eu ia lembrar-me: os satélites todos
Resplendentes na praça. Era a neve.
Era o tempo descascado
Sonhando com tanto peso no meu colo.
Ò mãe, atum negro –
Ao contrário, ao contrário, com tanta força.

Era tudo uma máquina com as letras
Lá dentro. E eu vinha cantando
Com a minha paisagem negra pela neve.
E isso não acabava mais pelo tempo
fora. Começo a lembrar-me.
Esqueci-te as barbatanas, teus olhos
De peixe, tua coluna
vertebral de peixe, tuas escamas. E vinha
cantando na neve que nunca mais
acabava.

O teu nome negro com tanta força –
Minha mãe.
Os satélites e as praças. E novembro
Avançando em janeiro com seus frutos
destelhados ao colo. As
estátuas, e eu sonhando, sonhando.
Ao contrário tão morta – minha mãe –
Com tanta força. e nunca

- mãe - nunca mais acabava pelo tempo fora.

Herberto Hélder, 1971

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Congratulations Mister President

Pela 1ª vez em trinta anos de história democrática, Portugal tem um Presidente da República de direita.




Queria tê-lo visto ganhar como sempre me habituei a ver; a ouvi-lo ríspido em firmezas políticas de alta amplitude como sempre ouvi; queria percebê-lo ganhador como sempre entendi



- homens como ele nunca perdem, menina


e há um magote de macacos agarrados a uma felicidade torta escrita em cartazes de 1991. Há este magote de macacos que não conhece lealdade a uma cor nem sabor a uma dor: há um enorme e terrível magote gigante de macacos de rabo longo agarrados a galhos secos de árvores estéreis que riem felizes o riso das hienas

- que sabem

que avistam a presa ao fundo da floresta.


- olha ali menina: a podridão humana é fétida como o cheiro a urina.





Porque os outros se mascaram mas tu não
porque os outros usam a virtude
para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.



Porque os outros são túmulos caiados
onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.



Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.



Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia M. B. Andersen

sexta-feira, janeiro 13, 2006

and we're always fuckin

13 de Janeiro de 1966

Meu amor:




Disseram que a reacção alérgica do tomate do almoço de ontem fez-me isto: uma imensa vontade de ter-te a toda a hora como se o mundo para lá disto não existisse, como se não tivessemos cortinas no quarto, como se o pão com fiambre soubesse a pão com queijo francês.

Diz-me se me engano que o tempo que leva até me vires buscar é aquele que desenha o caminho da lua em redor da terra, ou vens no momentoem que esta carta atravessar o atlântico e tu a tocares com o olhar.




Fechada aqui esqueço-me das facas da cozinha, da forma como a faca da cozinha falava comigo sem ninguém saber, como ela me dizia coisas bonitas

- tens um pescoço lindo, posso tocar-te?


e me pedia para lhe mostrar os pulsos


- mostra-me os teus braçinhos


e eu nunca percebi porquê tanto sangue se doía tão pouco.