quinta-feira, dezembro 30, 2004

Diária de uma Insana III

Lisboa, 15 de Maio de 1946



Tive ontem uma visão do futuro, em que uma mulher se sentava ao meu lado no comboio e me questionava:
- a menina mata pessoas com os olhos, não mata?
E eu respondia,
- sim, mas não é bem com os olhos, é só com as unhas dos pés, não sei se lhe faz diferença?

Assustei-me.
Oiço vozes quando estou sozinha, sei aperceber-me que são duas vozes femininas que se juntaram-me para me torturar.
Bebo o meu chá no quarto porque a minha mãe não me deixa sair.
Trouxe-me maçãs. Comias. Todas.

Amei as duas maçãs desde o momento em que ela as trouxe para o meu quarto.

Transformei-me em cada uma enquanto as comia, como se fosse eu a trincada, e os meus próprios dentes se tornassem parte dessa carne de fruta por
osmose emocional,
pela osmose dos afectos
- porque desde pequena, no fim de uma refeição em familia, que eu desejo secretamente ser uma maçã vermelha,

despida num prato de loiça francesa

aberta

servida crua.



Sonhei que havia ficado grávida
do filho do dono da farmácia Assunção
por ele me ter olhado para as pernas
numa terrível aflição.

Não sei se me olhava assim por ter umas pernas bonitas, ou se por estarem crivadas de cortes.
Sei que o olhar dele me havia engravidado e eu vim a casa pedir ajuda para ter um filho que me saiu pela boca.

E todos os médicos disseram que eu tinha uns óptimos maxilares para parir.

Quando acordei, ainda tinha bocados de placenta nos lábios porque ele saiu-me mas o que era dele ficou em mim.

Ficou.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Don't want your hand this time i'll save myself

Café do Sr. António, Torres Vedras
17 de Novembro de 1958


(...)Não é por mal que eu digo isto mas estão duas mulheres de 5 cm a falar em cima da minha mesa do café, bem ao lado da chícara, perto do pires, à esquerda da colher, a metros do empregado de mesa que me serviu.

Vejo-as às duas com uma clareza estranha, sem que mais ninguém neste café se aperceba que an minha frente estão estas duas criaturas minusculas, vestidas à moda, de meia branca e sapato de verniz, com saias a fingir de balões de ar.
Pela postura arrisco dizer que se acham o máximo.

Atento-lhes na conversa, vejo-as olharem-me e a questionarem-se:
- conheces a tipa?

A tipa sou eu. Chego a esta conclusão por exclusão de tipas.
E continuam:
- vem aqui sempre, olhar a janela, não sabias?

- eu venho aqui às vezes, sim, e olho a janela e qual é que é o mal?
digo-lhes.


Falei sozinha.
O empregado olha-me de soslaio. As duas mulherzinhas riem e continuam num diálogo ensurdecedor sobre mim.

Queria calá-las antes que alguém as visse ou ouvisse: não queria que me achassem louca.
Uma delas pergunta á outra
- consta que enfeitou um pinheiro murcho

e eu grito levantando-me da cadeira:
- o pinheiro não estava murcho, já estava assim quando o meu marido o trouxe hoje

elas respondem:
- não estava nada...mas também, com aqueles enfeites, até eu murchava
e riem.

Calo-as com o pacote de acúçar que lhes coloco em cima para as fazer parar.

O pinheiro ficou óptimo, os enfeites perfeitos, as fitas exemplares: sou a dona de casa que todo o marido cansado deseja ter:
porque sei cozinhar,
sei limpar,
sei fritar,
sei arejar,
sei fazer qualquer tipo de bolo,
arranjo o jardim sozinha de manhã
sei congelar,
sei assar,
faço o melhor pequeno almoço do mundo

-mas sabes amar?

e sei fazer a cama,
sei que não preciso de empregada,
sei que sou um ás a preparar molhos especiais para a carne de domingo,
sei que a minha sogra me adora

- e sabes fazer filhos na barriga?

e sei fazer centros de mesa
- filhos? Claro que sei, toda a mulher sabe-
e troncos de natal e bolo rei em casa
-
mas disseram filhos?- e ás quintas feiras visto-me de branco e sou o que quer que eu seja- filhos?

- sim, filhos? Consegues?

As vozinhas delas, estridentes, acutilantes, entram pelo ouvido, moem-me a paciência como o ganir de um caniche histérico por afeição

- não podes, não podes

esmago-as com as pontas dos dedos e digo-lhes:
- desculpem-me mas até foi de propósito, desculpem

Viro a cara para a janela que chove e oiço num repente estranho:
- é tão estúpida que pede desculpas

Estão vivas.
Grito-lhes, mando-as calar, o empregado de mesa vem ter comigo e pergunta se está tudo bem

- sim, evidentemente
e acabo o café.

Elas olham-me, desafiam-me e desistem de mim.
Mudam o tema da conversa por puro desinteresse e dizem uma à outra:
-
voluntariza-te e coça-me

Espirro o resto de café que tinha na boca e grito-lhes:
- anãs miseráveis

A de azul baixa os collants à de vermelho e coça-lhe o interior das pernas..

Grito
-párem com isso suas porcas
o empregado vem à mesa, limpa-as com um pano:

elas riem-se de mim, no pano molhado, e vão-se.

terça-feira, dezembro 14, 2004

Do not ring me

Há coisas estranhas a sairem-me dos dedos hoje:
são palavras.


Dá-me a mão hoje, friend, como se estivesses aqui, como se o mundo girasse numa lógica gravitacional sobre mim e tu só fosses mais um dos muitos seres a quem sou indispensável.

Mas sei-te doente e a bactéria sou eu.


-“Sim, quem fala?”
Um telefonema marcado por dedos seguros, atendido pela pessoa errada.

Rio-me e a voz que me responde conhece-me, sabe a minha estória, o meu percurso até este telefonema, e mostra-se protegida por uma segurança falseada sobre a situação:
baixo o auscultador até ao peito,
rio-me
abano a cabeça porque isto não pode estar a acontecer comigo
julgo-me ridicula
volto a rir.

- “Ele não pode falar, está no banho.”
Ele está no banho e uma voz feminina atende-lhe o telefone.

Sinto-me estúpida porque ele está no banho, a metros desta usurpadora de estórias de amor, e perco o meu latim com uma possidónia vulgar cheia de possessão por uma coisa que nunca será dela
-porque as pessoas na nossa vida naõ são provas de compras, não são territórios ocupados: ter alguém é anexação, jamais expropriação,

Mas as mulheres são serezinho horríveis e ela repete a graça:
- Ele está no banho, queres que lhe dê algum recado teu?”

Recado?
Apetecia-me fazer o meu ar mais arrogante e chamá-la
- Filha,
questioná-la:
- queridinha, sabes mesmo com quem estás a falar?
Ela burrinha e básica, descaracterizada, responder-me-ia:
Sei sim
E eu dizia-lhe:
-entao trate-me por você, porque eu não a conheço de lado algum, nunca passei férias consigo, não sei que lugares frequenta, e não é das minhas relações

E a coisa teria tendência para descer.
Não foi o acontecido.

Faço malas, expropriada, e estou no meu mundo amanhã: Porto. Lobo Antunes.


quinta-feira, dezembro 02, 2004

The hours

You make me cry.

(...) Respiro fundo
e encho-me de força
o ar correndo no meu corpo
(...)espero que ela oiça



Não sei porquê mas não dá mais: não faço ideia porque motivo o facto de saltar sem rede de segurança, agora, se tornou senseless.
E eu sempre gostei de riscos.

Olhar o retorno do espelho: uma mulher com
nariz
boca
dois seios, coxas
olhos
ouvidos
duas pernas, dedos
unhas
pele
osso
e
dois braços
dois braços de veias esventradas, o sangue que escorre e uma sensação rija de poder
- fui eu corpo, perdoa-me

Mas é sonho. Volto a dormir.

O ritual antigo de automutilação certo dá poder aos seus praticantes : poder na dor, com os outros, com o que eles sentem, um poder sustentado em relação ao que se pode querer.

Did you want something simple?

(..)Respiro fundo
e encho-me de força,
o ar correndo no meu corpo
espero que ela oiça(...)

Did you really want something simple?

São os acordes de The cure que me fazem perguntar-te de lençol enrolado:
- and what am I to you?

A resposta sai-te da boca em poucos segundos:

- my sugar sexy lovelin´ girl...´cause with us, sex is always first.

(...) respiro fundo
e encho-me de força
.o ar correndo no meu corpo
espero que ela oiça (...)


Amarro-te. Sempre gostaste de algemas, sempre vibraste quando te prendia na cama.
Vejo-te feliz. Queres que me dispa.
Tiro de debaixo da cama o que tinha preparado para ti: rego-te com querosene.
Tu transpiras.

Acendo um fósforo, tu queres que te desamarre agora que o jogo se tornou melhor, agora que os meus olhos brilham, agora que sinto poder nas veias.
Puxo uma cadeira, sento-me: assisto ao melhor espetáculo de fogo que alguma vez tive a possibilidade de ver.

Tu ardes.

segunda-feira, novembro 29, 2004

Nota da autora





Como marcado iria decorrer no espaço da Voz do Operário uma peça de Teatro " A última estória de Werther".


Infelizmente, por negligência e irresponsabilidade dos que assumem posições naquela instituição a exibição da peça coincidiu com um jantar do IPO- que pelo uso de som inviabilizou a peça.

Toda a equipe de promoção, autora e actores lamentam o sucedido e agradecem o carinho e a disponibilidade de todos.

quarta-feira, novembro 24, 2004

Parabéns

- Parabéns a você

Fazes 20 anos mas não vamos poder celebrá-los, não vamos poder jantar, não vais poder apresentar-me à Joanne porque já a conheço, porque nos conhecemos as duas numa viagem às Caldas, porque nos sentámos numa mesa de café para falar de ti,
de ti morto.

Cantar-te

- nesta data querida
muitas felicidades, muitos anos de morte


soa fúnebre porque, infelizmente, morreste.
Tornei-me uma crente em religiosidade por necessidade: preciso acreditar que há O outro lado, e dizem que as pessoas desse lado nos podem visitar quando sonhamos.

Pode ser uma treta imensa, pode ser uma verdade inquestionável.
Agarro-me a ela como verdade inquestionável: chamam-lhe intuição.

Peço todos os dias, que entres nos meus sonhos diários: que em vez de idiotices, possa sentar-me contigo numa relva em dia de sol, por a cabeça na tua barriga e perguntar-te como são as coisas desse lado: esse lado estranho onde nós não podemos entrar.

E relembro-te um racional-céptico, e ganho a certeza que esta conversa tomaria outros contornos contigo.

Cantar-te parabéns hoje só o imagino de forma impossível: pessoas de preto a remover uma campa, a olhar para um buraco fundo com um caixão de madeira envernizada, restos de flores no cimo, batendo palmas num cântico de parabéns

- hoje é dia de festa

e em choro compulsivo
em choro compulsivo porque morreste.

- Cantam as nossas almas

Penso em ti todos os dias para não me esquecer.
Tens os maiores pontos negros nas costas que alguma vez tirei: tens uma forma invulgar de resolver problemas com objectividade.

A memória um dia perde-se e há traços teus que não me posso dar ao luxo de deixar esquecer: não me deixaste muito mais.

E não haverá um dia que não lamente tudo.

- Para o menino Paulo, muitos anos (...)muitos anos de vida.


Afinal é sexta. Pede para ir.

terça-feira, novembro 23, 2004

you´re my kind of man

Dá-me dados verificáveis que me permitam acreditar que tu não fazes parte da raça de homens que traí, que mente, que recorre à hipocrisia.
Dados verificáveis que me permitam ter a certeza que posso começar a procurar móveis contigo,
mesa da sala, cama, quarto, móveis de cozinha
que posso ir às compras contigo, que tu vais sempre ser paciente, que não vais entrombar, que posso acreditar que daqui a largos anos a minha dentadura falsa pode cair na sopa que tu não irás rir:
antes, apanhá-la-às e colocar-ma-às na boca novamente para eu ficar bonita e poder rir-me sem constrangimentos sociais.

Que posso engordar 20 kilos que tu vais continuar a dizer que achas que peso 50
- que sou levezinha tipo pena, que continuo linda_de_morrer.
Que o meu corpo pode ser estriado pelo peso de gravidezes sucessivas e imparáveis
- vamos ser tipo coelhinhos?
que posso ter vários ataques de histerismo e que tu vais sempre saber resolvê-los.

E eu vou ser sempre a cinderela e vão sempre existir abóboras na cozinha.

Se assim não for passas à categoria de cão.

Há um cão em cada homem. É uma verdade matemática.
Espero que continues a esconder a tua genética canina como o vens fazendo: talvez assim eu própria a esqueça, e te assuma como perfeito.
Tenho uma dificuldade estúpida em acreditar em individuos do sexo masculino
- vulgo homens
mas também adquiri, por uma data de circunstancias infelizes, a incapacidade estúpida de acreditar em individuos do sexo feminino
- vulgo mulheres.

Fermentei a ideia de que não existe uma fraternidade de femêas como sempre quis acreditar: que a maioria das mulheres são más, invejosas, preconceituosas, mal amadas e que fazem tudo por tudo para prejudicar a irmã femêa melhor sucedida, mais feliz, ou a que traz consigo o melhor conjunto de roupa interior
- vulgo cabras_cadelas_nojentas_mal_amadas:
a raça a aniquilar, sisters.
Go sisters, go
.

Anima-me o facto de saber que esta grande maioria é facilmente controlada por uma minoria de femêas inteligentes, conscientes do ponto de vista emocional, independentes, amadas, e sexualmente activas.

E tu, és o último macho latino sensível à face da terra.

Nota descritiva: na maioria das vezes, este tipo de cadelas referenciado tende a simular doçura, amizade.
É um tipo de cadela de estatura média, comestível do ponto de vista masculino mas terrivelmente insegura, insípida nos afectos, muitissímo mal amada – tanto dentro da própria familia como fora dela.
É pouco criativa, possessiva, complexada, e odeia espelhos de cabeleireiro.
Normalmente assume-se sem preconceitos sexuais

(muitas vezes dizem-se lésbicas mas isso verifica-se impossível uma vez que nenhuma mulher inteligente se ligaria sexualmente a uma criatura deste tipo)
e muitas destas cadelas tem frequência universitária..


Todos os textos deste blog são pura ficção.Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.



segunda-feira, novembro 15, 2004

A lady will Walk....but never run

Não haverá mais nada a dizer: temos contas feitas.
Já não existimos juntos, já não somos aquilo que sempre fomos, aquilo que todos os casais anormais gostariam de se ter tornado.
Acabou e é oficial: não há XXXIII parte nisto.
Tens toda a razão,
- fomos longe demais
mas ir longe de mais, em questões deste tipo, nunca é ir longe o suficiente.

Olhar para tudo e deixar tudo lá atrás.
Na necessidade, voltar às memórias e achar-nos juntos a dormir na minha cama, despidos no chão da casa de banho completamente ensopados, na carpete da sala, no chão do quarto cheio de velas, em cima da arca frigorifica mais à mão, no banco da frente dum carro cinza.

- Se sobreviveres às 48 horas seguintes, estás livre.
Passá-mo-las. Ambos.
Eu sobrevivi, mas não sei porquê, ainda me doi.

A vaca loira.
Não me esqueci dela. Prometi o que não posso cumprir.
- Vou ter de sangrá-la mamã, vou ter de sangrá-la, desculpa-me
Ela tem fugido, esconde-se de mim em pastos onde acredita ter algum tipo de protecção
mas está enganadinha: o planozinho é perfeito.

Gosto da ideia de a manter no engano: a vingança é um prato que faz os dentes doer de tão gelado que é.

Odeio-a porque foi também ela que nos matou.
Essa vaca loira nojenta que transpira rancores e amarguras: a quem sai inveja líquida dos olhos, a que larga vários litros de suco vaginal de raiva pelas ruas da cidade, a que em vez de leite, nas tetas, transporta um veneno letal: matará as crias quando lhes der de comer.
Nunca imaginará o tamanho do estrago que fez

[vou culpá-la por isto até morrer]

e nunca ninguém o puderá remediar.


A vaca-cadela deu-nos este golpe de misericórdia doloroso: ela ainda não sabe mas há, de facto, uma faca de cozinha á espera dela.
A população feminina agradecer-me-à.

It´s over.Hands up.

Ter encontros marcados com pessoas é fácil: amá-las de verdade, encontrar-mo-nos nelas, é muito fodido
- fodidissímo
e raro,
-rarissímo
Encontros muitos. Paixões sérias e resistentes ao tempo: duas apenas.

Plagiar Eça para vos dizer agora, leitores pacientes, que fumo um pensativo cigarro
-porque sim, os cigarros tem essa capacidade estranha de se tornarem o raciocinio efectivo de quem os fuma,
e que penso em compasso certeiro com um relógio de sala onde mora um cuco que mostra as curvas de hora em hora.

Penso na estação do comboio de ontem e acho foi um erro não ter aproveitado a ocasião e me ter mandado para a linha.

Os sapiens-sapiens, essa raça magnífica de animais de duas patas pensa assim: odeiam o sofrimento e o estranho sabor que o vazio faz cair nos lábios.

Quanto à vaca: ela pode fugir, mas não se pode esconder :)


segunda-feira, novembro 08, 2004

Static Moans....{It´s getting better, trust me}

Serves-me bocados de lábios quentes de pessoas que não conheço pela sobremesa, tens pedaços de carne de homem a cozer no tacho e fizeste-o a contar comigo.

Eu gosto de chupar os olhos , tu gostas mais das orelhas, sempre nos completámos assim: por partes.

Vou-me sentar, vamos comer e tu depois pões a televisão mais alto que eu quero ouvir as noticias.


És um querido.



sexta-feira, outubro 29, 2004

How long till enlightenment...how much longer till you completly absolve me...

Todos. Todos Todos. Encostados numa parede: caras distintas numa fila de corpos recostados no branco- uma adulta á vossa frente, á frente dessa fila imensa de peles e odoros diferentes.

Ir.
- diz que me amas, diz que me amas
Ninguém diz nada e a essa adulta do sexo feminino crescem-lhe dois totós, uma mini-saia azul e duas meias escuras até ao joelho com sapato de verniz.
Ela é agora uma menina de quatro anos sozinha num orfanato público.

- diz que me amas, mano, diz que me amas
e ninguém diz nada. Saem-lhes frases dos olhos, de olhinhos que olham para si com o peso triste do vazio.

- diz que me amas, mãe, diz que me amas
e tu não dizes, apesar de eu te abanar com força
- diz que me amas, mãe, diz que me amas,
e a menina de quatro anos desata num pranto imenso
- diz que me amas, mamã, por favor diz que me amas.
Mas ela não diz.
A mamã nunca gostou de gente com os afectos mal resolvidos.

É um ritual estranho o de fazer malas, e escolher coisas.
Faço malas em cinco minutos
- treinei-me
e não levo fotos, não levo livros, não volto para o Natal.
As vidas novas escrevem-se assim: com muito pouco.

- diz que me amas, mana, diz que me amas
nada.

No fim dessa fila , está um menino loiro, de óculos.
Para ele ela sabe que não pode olhar.

Eternity is waiting....I guess I´ll be leaving.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Where to begin

(...This is a recording machine...
everything you´ll say here
can , and will be use against you in a court of law…

…This is a recording machine
Please leave your stupid message
And try not to take more than five seconds…

This is still a f**** recording machine
Speak only when the music is over (…)

As we speak, estás em Inglaterra e eu aqui.
A peça em palco e tu não vais estar no primeiro banco. Estás longe, num longe feito de chuva e de temperaturas baixas.

Sei que não voltas e me esperas.

Não sei se arranjaste casa, não sei se as pessoas te olham de lado, não sei se retribuis o olhar com aquele teu narizinho empinado que diz que tu não tens medo de nada e que mordes.
Não faço ideia se continuas com os teus poshismos, se mantens aquela forma de falar tão tua
- gesticulando mãos em acompanhamente simétrico com aquilo que te vai sair das cordas vocais
toda a forma como tocas os outros com estórias tuas: vivências que soubeste passar e que, inequivocamente, te tornaram um ser humano terrivelmente especial.

E eu tenho muitas saudades tuas.

Contabilizar tudo num somatório estranho e lembrar-me que sobra muito pouco para além duma secretaria grande, um computador, um quarto com roupa espalhada por todo o lado, maquilhagens, brincos, cds, livros, malas e sapatos, botas e sandálias, uma cama desfeita e fotos com olhinhos felizes que me pedem que fique.


Queria dizer-te que aprendi a fazer malas em cinco minutos: que aprendi a resumir afectos, aprendi que tenho um dedo certeiro para escolher amigas cabras, aprendi que não sou um ás em relações interpessoais; aprendi que preciso de poucas pessoas , quase como tu
- e tu nunca precisas de ninguém, sweet friend, tu nunca precisas de ninguém e eu sempre quis ser assim.

Espero o mail prometido em cada dia que passa
Um mail teu que te diga vivo, e me chame, ainda que eu não vá.


segunda-feira, outubro 18, 2004

You finish my sentences...I really think I love you

O ritual do alimento. O estrangular da comida na garganta depois de submetida ao sofrimento provocado pela tortura da mastigação, no sítio onde os dentes coabitam
- em sentido, cima das gengivas

e voltar atrás no tempo e lembrar-me que fomos já um cão na estrada, que tivemos reencontros com a poesia do amor.

Que te bati, que passámos horas a fio a falar ou a rir com os pés em cima dos estofos do teu carrinho precioso, horas e horas de sexo frenético onde o único objectivo estéril era o amor incondicional pelo corpo do outro, pelo prazer do outro, pelo som da felicidade do outro: mas que também voltámos aos gritos, ao desespero da almofada, ao tirem-me-disto-porque-doi-demasiado-e-ninguém-me-dá-uma-puta-duma-anestesia.

E eu sou a cinderela e isso muda qualquer visão triste da sombra dos dias.

Disseste isto a dormir na minha cama, no meu quartocastelo, quando tentei sacar-te informação da forma mais desonesta possível: enquanto dormias.
Falas a dormir. É fácil manipular-te no sono.
E pergunto-te no meio do monólogo que estavas a ter:

Tu : As pessoas são todas personagens.

Eu: são? Eu também? Que tipo de personagem eu sou?

Tu, numa inocência translúcida, eu na minha ansiedade perversa, pronta a acordar-te histérica após uma resposta tua que te apanhasse em falso na pureza do sono, dizes, baixo , a olhar para mim de olhos fechados
- tu és a Cinderela.

Uma frase destas, retirada da inocência dum sono, é garante de segurança a qualquer pessoa normal.
Para qualquer pessoa. Qualquer uma.

Resumo-nos carinhosamente ás montanhas russas chinesas: tocamos as nuvens, não temos cinto e o looping seguinte pode sempre matar-nos.


Morro de medo do dia em que te fartes e peças tranquilamente para sair.

terça-feira, outubro 12, 2004

Há bocados de mortos pelas paredes do quarto

São as bocas da branca noite
bocas que nos vem comer a todos
Com a doce certeza da morte
da morte sempre, eternamente Santa.

- Turn the lights on, please.


[Há homens a viajar no espaço sem protecção e ninguém lhes diz que vão morrer pela falta de oxigénio, pela pressão inexistente, por cometas aluados que andam de um lado para o outro na imensidão do espaço preto e quieto.
As cores escuras obrigam à passividade.]


Não me morras à noite nem amanhã de manhã.
Soube de tudo ontem quando me sentaram na mesa da cozinha, me fizeram uma festinha na cabeça e com uma agulha espetaram-na e plockkkk:
a bolha redonda foi-se e o mundo é a novidade.
Dizem-te doente: parece que vais ter de te esforçar para sair disso.

Recorrer aos melhores médicos
ás batas, aos oculozinhos, aos olhinhos de quem tudo sabe, ao poder arrogante de quem consegue recuperar respirações e fechar olhos e bocas abertas, de quem sabe colar artérias e fazer bebés nascer

- e quem faz isso não pode ser menos que especial
e vejo-me ter de te entregar nas mãos deles, desses que tudo sabem e podem ajudar-te,
desses a quem vou ter de pedir explicações sobre ti e sobre o que tens, desses que te vão tirar disso porque fazes falta a demasiada gente para morrer.

Não me apetece nada que morras, e pergunto-me, em tom solene, se alguma coisa aqui faz algum sentido uma vez que, no meio de tanta gente desnecessária, haverá a quem tudo isto devesse estar a acontecer.

Ensinaste-me a falar, a ajudaste-me a andar, fizeste-me juntar letras para conseguir ler.
Aprendi contigo a ser uma mulher bonita
- porque não existem mulheres feias, só mulheres desleixadas
que
- um porco pode vestir-se de rei, pode mesmo usar esmeraldas, pode ainda banhar-se de ouro que ainda assim será sempre um porco
que
- uma mulher não chora por homens
e, a frase das frases,
- uma mulher sem filhos é como um jardim sem flores.
A frase que me intimida e me faz temer a esterilidade. Silencio o temor pessoal para não me achares silly.

Alguma coisa me diz que és das duas únicas fêmeas do mundo a quem quero dar a mão numa sala de partos.

Recordo os teus namorados e a forma como me apaixonei pelos mais giros
- e sim, quase sempre tiveste bom gosto.
Recordo-me que houve dias em que te odiava quando manifestavas a tua autoridade sobre mim, ou dias em que simplesmente saber que existias me aumentava o acne e me causava stress.
Recordo-me que vestia os teus vestidos, os teus sapatos altos, e me achava a ti no espelho.Recordo a forma como sempre te adoptei como modelo.Recordo-me do choque quando descobri que não eras perfeita, a forma como descobri em ti que era possivel uma mulher reproduzir-se deixando alguém morar na barriga durante nove meses, e como tudo isso pode acontecer duma forma feliz: com orgasmos e sem cegonha.

Recordo que houve dias em que me controlaste numa situação com um simples olhar, dias em que nos ignorávamos por estupidez, dias em que fiz compras com o teu cartão de crédito quando estiveste de férias,
- sorry, but I really had fun.
Dias e dias em que a depressão histérica de um namorado mandado embora por insuficiencia emocional me fez regredir mentalmente, e tu eras a pessoa certa que ouvia barbaridades: limpava lágrimas e estabelecia coisas a cumprir.
- sempre parei de chorar quando mandavas.

As freiras, o colégio, os dias apertados na agenda: tu e a humanazinha enrugada que vi minutos depois de sair de ti sem gritos, e que hoje vejo feita numa menina curly cheia de graça
- a minha cara chapadinha
e á qual pergunto a tabuada, como fazias comigo.

2x1=2
2x2=4
2x3=6

Não há possibilidade de morreres porque és demasiado importante para as economias mundiais, porque és demasiado jovem, demasiado bonita.

Alguém me disse um dia que o universo constuma conspirar a favor das pessoas bonitas.


quarta-feira, outubro 06, 2004

Poem- A fruta da minha fruteira

Laranjas assassinas,
maçãs invejosas e bananas indispostas.

Figos ninfos, uvas raivosas,
Cerejas coradas, marmelos irritados,
pêras depressivas.


Morangos lascivos,
abóboras osteoporosas, framboesas infectadas.

Nozes desnudadas, mangas devassas
Papaias retardadas.



E assim é a minmha fruteira da cozinha.

sábado, outubro 02, 2004

Seven months and still no word from you

Passaram-se meses e continuas a fazer a falta de sempre.

A vulnerabilidade da tua morte leva-me à autobografia no blog e eu monto este cenário ridículo: tenho saudades tuas e não consigo verbaliza-lo duma forma mais racional.

Que tenho saudades dum morto, que me lembro do funeral, das caras das pessoas, do choro histérico na almofada para ninguém saber, o cheiro das flores, o padre a tentar consolar o inconsolável, o cemitério cheio de gente nova a falar de ti,
- e tu morto no caixão, sem dizeres nada a ninguém.
Devias estar bonito. Não olhei.

Costumam vestir os mortos com as roupas favoritas em vida, e tu sempre tiveste esse arzinho de betinho-pensador
- coisa rara nunca vista
e imagino-te assim: um puto frágil a experimentar a eternidade do sono.

Penso nas vezes em que não estivemos juntos por minha causa e autoflagelo-me.

As mãos tremem,o choro vem, e eu adormeço-me tendo pena daquela que vai deitando o corpo numa cama,e se mente, muitissímo: diz para ela em tom baixo que tudo vai ficar bem, e assim adormece.
Ficaria, de facto, se não tivesses morrido.Preciso culpar-te a ti e não perguntes porquê.

E ela. A que me deixaste.
Não sei se terás feito de propósito, se nos fizeste aproximar de caso pensado.
[Se nos tivéssemos conhecido quando eras vivo, seria assim? Senti-la-ia como uma irmã a proteger como sinto agora? ]
Teria sido muito diferente?Não faço ideia.


Ás vezes quando tomamos café, olho para ela e vejo-te a ti sinto-te a ti abraço-te a ti conto-te a ti tudo o que os ouvidos dela ouvem.

Levei-a ao meu café favorito e foi também a ti que levei, mas de imediato volto à realidade e percebo que não o posso fazer, que é a loucura
- aquela vozinha que sempre estrangulei
a realizar-se através das minhas cordas vocais.

Se o fizeste, se comandaste a situação do sítio onde agora estás, o que acharás tu de nós agora, sozinhas as duas, com uma vontade calada de irmos para o sítio onde estás .

E se o fizeste, de forma arquitectada, será que te faz feliz?


quarta-feira, setembro 15, 2004

No cocaine




Perguntar - desculpa mas preciso mesmo de saber isto hoje:
é igual?Sabe ao mesmo?a parte dos beijos?

Porque te vi beijá-lo a ele, na tua casa, na tua cozinha, a beber vinho teu, e a ouvir o teu Frank ao mesmo tempo que penso que és um homem simples apaixonado por um par, que faz jantar para três numa cozinha de madeira branca arrumada.

Ele beijou-te á minha frente e eu virei a cara num acesso parvo de vergonha: devia ter ficado a olhar.
Os católicos não acreditam em amor gay: é capacidade exclusiva de cristãos
.

Beijaste-o, trocas olhares, gestos, e mostram carinho em actos.

Sabes músicas com ele, riem, partilham danças. Apercebo-me que tu também tens lugares secretos com ele, que existem coisas que só ele saberá sobre ti, e que haverão prazeres que só conhecerás com ele.
E cheira tudo a uma cumplicidade em estado liquido que eu invejo.
E parece que é tudo igual
-mas eu não sei se isso é amor, ou sei(?)
e ele deixa cair um copo, tu ris: e eu solto o riso convosco.

Ele é particularmente desajeitado, e tu, dedicado e apaixonado, baixaste na tentativa de apanhar vidros com ele. Cacos.
Riem no meio de cacos.

A imagem traz-me a sitios onde já passei e apercebo-me que é facil compreender que isto que se passou agora, aqui mesmo à minha frente, isto, esse básico apanhar de vidros que se partem, por si só, já responde ás minhas inquietações preconceituosas.

É ternura, carinho, cumplicidade, amor:
- esse fuckin´ apanhar de cacos denunciou-vos.

Use your mentality
Wake up to reality


É dificil existir só sexo no meio de vidros partidos, e tu apanhas tudo, cheio de cuidados para que ele, desajeitado e frágil, não se corte.

Dás-lhe uma dentada no braço, dizes que ele não tem jeito para nada.
Sai-te ainda uma cotovelada ternurenta, e eu colo os olhos no tecto da cozinha imagindando a existência de um elefante a sobrevoá-lo, e amordaço-me, em rapidez, para não comecar a cuspir inveja pelos dentes da frente.

each time that I´m trough
Just the thought of you
makes me stop before I begin
´cause I´ve got you under my skin

Ridicularizo-me sozinha com um copo de vinho vermelho que espero que contenha um veneno letal qualquer: que me leve deste mundo perfeito de amor e me dê entrada na eternidade dos desistentes.
Invejo-te, sorry.

É bonito ver-vos apaixonados, e a minha inveja inquieta recém nascida, levanta o indicador à minha racionalidade parca e questiona-a:
- porque é que eu, especime normal, hetero, não tenho nada disso?

E o Frank repete com trompetes e saxofones á mistura

I would sacrifice everything
For the sake of having you near
In spite of the a warning voice that cames in the night
And repeats repeats in my ear


E eu sinto-me básica e pequenina por não perceber que a pureza que o amor provoca, é igual, sempre.
E a inveja faz mal à pele.

Não havia percebido isso. Não havia percebido que o ritual não muda, que aquilo que arde
ou dá medo ou calor ou ansiedade
é exactamente o mesmo: stupid love.

Não percebi que ele é a tua Razão agora, e que hoje serias capaz de lhe jurar fidelidade ao pé do altar do Bom Deus, como um qualquer homem pode fazer diante de uma qualquer mulher, mas que por seres um homem especial, com facilidade, sabes dispensar.



segunda-feira, setembro 06, 2004

Erase and Rewind

(...) Do outro lado da morte estavas.
E eu não te sentia.

Passou-se tudo tão longe
Que eu não sei se passou ou se está a passar

Tenho estado a ver-te e
Creio que voltarei amanhã.

Uma manhã de ontem e não de hoje
Tu estás nela. Eu não sei onde estou.


Garcia Lorca, 5 de Junho 1898







Bati-te ontem. Perdoa-me.

Peço-te perdão com o descaramento do homem que mais te ama no mundo.
E amo-te como nunca amei ninguém: não sou perfeito e tu és um alvo fácil.

Já percebi que se te despir antes dói-te mais e isso deixa-me horrivelmente feliz.
Sou um monstro e assumo-me.

Vejo-te medo no olhar, vejo-te dor e vejo-te bela e submissa, na mansidão dum cordeiro de Páscoa.

Não sei se te disse ontem mas ficas mais linda quando choras despida na cama, e o sangue e o negro dos ossos ficam-te melhor que a roupa com que os tapas no dia a-seguir.


Preferia que exibisses os olhos negros e não os escondesses atrás dos óculos escuros que usas.
E já te disse que estás a mais bonita das grávidas?


O sofrimento que te causo purifica-te.Purifica-me a mim também.


Um destes dias mato-te e vamos os três para o céu.





In, Memórias dum Pária vulgar

sexta-feira, agosto 27, 2004

Costura-me



The sun Shines laughter when we live as one and there´s peace in those who believe in true love


Salva-me porque os médicos disseram-me que tenho hematomas e hemorragias internas pelo corpo e restam-me minutos de vida.
Ligaram-me a uma máquina mas eu não quero morrer.
Dão-me choques eléctricos e devem achar que não sinto a dor.

Lembro-me de ter tropeçado, de cair, lembro-me de escadas e dos quadros das paredes de casa: eu a cair(?) e agora dão-me choques electricos que doem.

Foi o tapete, não foi? O tapete do corredor par as escadas? Sempre soube que um dia, alguém ia acabar por escorregar das escadas naquele tapete.
Eu ia distraida com a travessa de carne assada. Não quero morrer.

Também sinto a barriga queimada, além de tudo o resto.

Repetem o choque electrico várias vezes depois de contarem até três e todos os outros se afastarem.
Só um se chega perto do meu corpo para mo dar.
O tapete sempre escorregou e nunca nenhum de nós o tirou. Porquê eu se eu não quero morrer?
Já todos tinhamos escorregado lá mas ainda bem que fui eu a única a cair.
Não sei como isto aconteceu. Ajuda-me. Tira-me daqui. Não quero morrer.

Ele volta e repete o quinto choque e eu sei que não vou aguentar mais.

Eu vejo a luz dos filmes, a luz do candeeiro enorme, vejo as máquinas, a aflição deles e oiço-os ouvir dizer que vou morrer e que te vão avisar.
Não quero que te avisem porque não quero morrer.
Vem buscar-me, vens?

Ligam-me o corpo a objectos estranhos que transportam a energia que me querem dar, despiram-me em rapidez, e eu aqui, nua, cega, sem ti.
Queria dizer-lhes que não vou morrer porque os oiço, e porque não quero, mas não consigo dizer nada e nem forças tenho para fazer os dois olhos abrir.
Faço força mas não consigo abrir. Tornaram-se pesados.

Não queria morrer.

Se eu conseguir falar contigo hoje à noite, antes de nos deitarmos, antes de por os pequenos a dormir, depois de lhes dar banho, jantar e chupões na barriga, depois de lhes contar uma história de encantar e lhes fechar a luz do quarto....
.
Se eu conseguir falar contigo hoje, depois de fechar as janelas da nossa casa amarela, depois de comer o meu iogurte a fingir de jantar, depois de teres ido passear a nossa bulldogzinha francesa, dela ter ido fazer o seu xixi e se sentir biologicamente realizada...


Se eu consegu ir contar-te, depois de eu ter vestido a camisa de noite branca que te põe doido, depois de termos feito amor no chão da varanda e de termos ido nus para a sala de jantar, depois dos pequenos já terem passado os portões da casa do Senhor João Pestana e de não poderem ouvir ou ver progenitores a brincar aos médicos...

Se eu conseguir contar-te, depois de estares em cima de mim, de me teres dado a mão, de todo o meu medo ter passado e eu achar que nada pode ser mais perfeito que este momento tenúe e quente em que te deitas exausto ao meu lado...

Se eu conseguir contar-te, depois de 15 anos de casados, depois de discussões e pratos partidos seguidos de corpos despidos e filhos feitos no chão da cozinha com bolo de laranja a queimar....

Se eu conseguir dizer-te que dizer-te sim num registo civil, vestida com jeans e t-shirt rosa flash foi das poucas coisas acertadas que fiz em vida.


Se eu conseguir segredar-te obrigado, depois de te dizer que te amo muitissimo e que não quero morrer aqui, assim, fora do nosso ninho, sozinha.
Salva-me, tira-me daqui, ajuda-me porque não quero morrer sozinha.

Quando chegar ao outro lado peço para vos ver.
E peço uma taça de cerejas maduras.


quinta-feira, agosto 26, 2004

Sweet lovin´Girl

Um dia éramos pequenas e tu querias casar. Um dia éramos grandes e tu vais casar.



Admitir a mim própria que crescemos o suficiente para que possas agora cuidar de uma casa, ter filhos, fazer jantar.
Admitir a mim própria que eu afinal já não posso andar de baloiço em parques infantis,
- só depois da meia noite em Sintra
e que aquele vestido lindo_de_morrer que está agora em cima da minha cama é para o próximo dia 4, Sintra, onde vais dizer sim ao homem que escolheste para ouvir ressonar pela eternidade.
Sempre fugi de escolhas certas e tu sempre escolheste acertadamente.

Crescemos pessoas diferentes, quisemos coisas diferentes para nós e nunca nenhuma das duas foi de ir chorar para debaixo de cobertores.Sempre fomos de combates.


Tornámos-nos duas mulheres que, na inevitabilidade da dor, choram educadamente na casa de banho, de torneiras abertas, a tapar a boca com a mão para que ninguém nunca imagine o que se passa do outro lado da porta.
Antes de sairmos, limpamos o rosto.

Arrisco-me a acreditar que nos tornámos duas senhoras, na melhor ascensão da palavra.

Tenho medo de chorar quando te vir entrar de salto alto branco, de estragar a maquilhagem perfeita que vou ter, de me achar mais sozinha sem ti porque tu afinal já voas e eu não tinha reparado que nos tinham crescido asas.

E terão crescido também em mim?

Não dúvido que este seja o dia mais feliz da tua vida,
- e um dos mais importantes da minha também
que te vou achar linda_de_morrer de vestidinho de noiva avantgarde assim que passares a porta da igrejinha intimista que escolheste, que as flores vão ser lindas e que vais estar radiosa depois da limpeza de pele, das massagens, do tratamentozinho vip que vamos ter em conjunto.
- Vamos ser sempre uma dupla, não vamos?

Também não dúvido que depois disto nada volte a ser o que foi.

Olho lá para baixo e já não vejo o teu carro estacionado, nunca mais fomos dançar juntas, beber até cair, trocar opiniões sobre o sexo oposto: já não te conto tudo o que se passa comigo, já não perdemos tempo(ou ele já não mais se perde em nós) e temos as duas muito mais para fazer do que estar sentadas na minha cama a dizer mal de alguma idiota.
Crescemos juntas e isso é inabalável.

As férias, a forma carinhosa de me protegeres, aquilo que sempre senti em relação a ti depois de brigas, estalos ou trocas de olhares acutilantes que nunca faltaram na nossa relação.
Acho que nunca tive oportunidade para te dizer que és importante, que quero que tires aquela fotografia minha nojenta que tens numa moldura só para me irritar, e que tu vais ser sempre aquilo que foste: muito.

Um dia explicas-me como soubeste que devias escolher esse homem que te vai esperar no altar, e não outro; um dia explicas-me como é que se controí uma ponte com alguém sem medo que ela um dia caía.

Também vou ficar à espera que um dia me ensines a fazer lasagna.


when all the party never ends........and all the angels are my friends

Escrever um textos com poesia a escorrer-me das pontas dos dedos e dor a sair-me em líquido das unhas grandes pretas.

Não sei porquê mas acordei com a sensação que havia um pianista cá em casa que toca Mozart para mim.

Requiem. Tenho medo.

Vou para debaixo da cama e vejo-lhe o as abas do fato preto e os seus dois pés felizes e calçados.

Voltar ao passado e morrer de medo dum futuro estranho que se escreve por cima do que temos: somos todos feitos da mesma coisa e ninguém percebe isso.

Tentei falar contigo ontem numa sessão espirita. Perdoa-me o ridiculo.

- Por favor deixe a sua mensagem depois do sinal.
E piiiiiiiiiiiiiip, a tua voz desaparece dos registos da TMN.
Recaí mas ninguém sabe. Só tu, eu, a TMN e o meu telemovel.


Ia dizer-te que doi, que não aguento muito mais se isto continuar assim, que foi horrível ontem de manhã.
A humilhação é a pior das dores.
Num estado de raiva saio de casa pronta a matar o primeiro que me tente confortar ou me diga que sou bonita e não sei o quanto, e acho que alguém, lá em cima, nas nuvens, lá em cima, no azul, se enganou nos corpos.

Era eu: não tu.


Yours truly ,

quarta-feira, agosto 25, 2004

Sure I would like to see you and visit your big house in the sky

Ela olhou para ti com olhos de amar, dormiste com ela, és dela e eu não estou aqui a fazer nada.
Aqui estou eu
- linda de morrer, as always,
à tua espera no meu café favorito, perto do Tejo, perto de quadros, dentro do meu mundo.

E faz-se estória.
Mas aqui agora
- graças à transmutação possível do imaginário ficcionado,
sentada numa estação, a rir-me contigo, a dizer-te que já não te amo e que outros deram lugar ao que tivemos quando ainda não é bem assim: a ver-te diferente, a sentir-te diferente, e a ver uma outra mulher entrar aqui agora, num rompante absurdo, numa estória que era minha(?)uma mulher estranha de camisa estranha, um azul estúpido que me irrita e umas calças pretas.
Acho-a demasiado básica para ser ela, a mulher de quem me falaste à pouco, mas é.
Eu nunca percebi mas tu também és básico.
A natureza faz o curso das coisas ser perfeito, os homens teimam em estragá-lo
- a minha mãe tem sempre razão.
Vocês são perfeitos e alguém está aqui a mais.

Não percebo.
Não percebo o que é que viste naquilo, não percebo como é que ganhaste magia ali, com ela, uma rapariga vulgar, comum, mas abano-me e dou-me estalos e logo percebo que o que não bate aqui sou eu: o ser lindo e perfeito.

Esta modéstia um dia vai ser a razão de um homicídio, bem sei, mas volto ao banco, aquelas três personagens ali sentadas onde comboios passam, e vejo melhor aquela do cabelo preto, óculos pretos e da camisola azul-estúpida.
Ganho-lhe pena.

Ali no banco são três: duas raparigas um rapaz.
A referenciada, a do cabelo preto, dos óculos pretos, da camisola azul estúpida, e uma outra. A menina do chinelinho lindo_de_morrer, dos canudozinhos, dos olhinhos grandes, do oculozinho castanho- D&G , essa mesmo, essa menina, a da mini-saia, a que tem ao lado dela um sapo. Tu.

Tu que já não és quem foste – as personagens só existem em dois sitios mágicos: nos livros ou nas cabeças das pessoas.


Tu és um desenho e aquela segunda menina da estória foi até a esta estação de comboio para tirar teimas: príncipe ou sapo?

Sapo. Sem dúvida sapo. Verde, viscoso.
A menina da unha pintada, a menina do cabelinho curly, a essa, dou-lhe protecção, faço-a aperceber-se rapidamente que aquela estória não pode ser a dela, que ela não é dali, que não foi construída para aquilo.
Mando-a despedir-se de ambos de forma cortês e educada: ela despede-se do sapo verde e deseja-lhe boa viajem até ao pântano e dirige-se à menina do azul irritante e monitorizo-a para ali não voltar, para apagar coisas, fazer deletes certos. Evadir-se.


O sapo fica com a rã.
A menina dorme à espera do charming prince.


It´s a different world and she is a different girl.

quinta-feira, agosto 12, 2004

I´m really, really really worst than you

Uma simples música, uma regressão, um trajecto.
Um segundo de som feito em particula, entra no ouvido e registra sentimentos.
De outros. De outros que vão agora de encontro ao meu: o milagre da música no individuo.
Could you love another? You can´t , can you?

Estás desfeito num sofá da sala. Há ratos, ratazanas gordas do tamanho de coelhos, há pacotes de batats fritas e tiras de milho, há bocados de ti pelo chão, roupas, um bikini meu.
Tens medo de ti, do resultado da minha resposta negativa em ti:
afinal os militares aguentam pouco.

Estás em casa. Tens medo das paredes. Elas incham e colam-se a ti, ao sofá onde estás zangado: contigo, comigo sobretudo.
Mostrei-te o outro lado: sou uma senhora pêga. Andei com o teu melhor amigo, experimentei com ele preservativos de sabores,
- comi uns poucos, aliás, mas só os mais giros, perdoa-me,

e continuo a ver-te ai deitado, nesse sofá verde, um verde solitário, a barba crescida, uns pratos com restos de comida, latas solitárias com saudade do liquido que já bebeste,
- fiz-te um trapo e não tenho pena, I´m not deeply sorry, Sir.

Open up your eyes, open up your eyes...

Sempre te fechei os olhos quando partilhavamos uma cama, no fim de noite quentes.
Sou gira e óptima na cama: sabes isso e lamentas.
Lamentas tu e as tuas olheiras que de tão crescidas quase te chegam ao queixo,

- sempre gostaste dos meu exageros, confessa

e eu olho para ti nesse sofá com um olhar diferente daquele que tinha naquele dia, naquele dia em que te vi e não te conhecia, naquela estação, naquela cidade que nunca mais quis rever sem ti, naquela noite das marchas, eu, tu e cores.
Tu eras o bocado que eu tinha perdido na hora em que me fizeram corpo.
Tu eras a minha paga por me ter feito terrena e experimentado amar.
Um dia decidi destruir-te.
Um dia consegui.
Atirei-te para esse sofá, verde, um verde triste da cor dos olhos que não tens,

- olho de novo para ti nesse sofá e vejo que a brincar te espetei as minhas unhas afiadas e compridas nos olhos e ficaste cego.

Cai-te sangue que me imunda as mãos e me faz sentir viva.
A maldade faz as pessoas sentirem-se vivas.

Desculpa mas precisava desesperadamente de me vingar.
Porque te amei. Porque te amei.

segunda-feira, agosto 09, 2004

A autobiografia que toda a gente queria ler

A autobiografia que toda a gente pedia?


É uma madrugada estranha esta, que me seca os lábios e o corpo e me chama baixinho para me acordar.
Tenho vozes na cabeça, dizem coisas sem sentido..

Obedeço estranhamente , calada, estupidamente submissa, e desço ao imaginário
estranho de jardins e pessoas vivas e felizes fazendo tudo o que me está a ser ordenado pelos ditames da hipnosis.
Imagino sexo em cuba num hotelzinho de segunda,
- sexo em suores e cumplicidades com um charming man
imagino-me a fazer filhos no banco de trás dum carro
- e nunca me imaginei a encomendar rebentos de outra forma por muito mais estável e agradavelmente economica a minha vida se torne,

imagino a Kyoga, a Ericeira, Santa cruz quando pequena, o colégio, o riso feliz da minha sobrinha quando digo qualquer coisa idiota,
- e são tantas as idiotices que digo,

imagino pessoas próximas a quem roubo a alma em fotografias para nunca me puder esquecer-lhe os traços do rosto.
Imagino a dedicação da minha mãe a tentar descer uma febre insistente, a dedicação da minha irmã a ensinar-me a ler, e a ausência, também ela muito dedicada, dum irmão que vejo pouco,e a existência de um pai flácido que deixou um espermatozoide escapar-se,
- eu sempre fui escorregadia desde a mais tenra existência, que se foda


Imagino depois disto sucessivas idas às compras, um convite estranho de Monsieur Lobo Antunes para um gelado, um regresso à minha cama, aos meus segredos,
-esses que afinal são tantos,
imagino e relembro pecados pessoais saborosos, e por fim, o Paulo morto num caixão depois dum telefonema matinal que me matou.

Sweet Paulo.
Perdi naquela quarta-feira qualquer coisa que não consigo achar mais e começo a reparar em leituras sucessivas deste blog que me repito e insisto na morte dele.
Repito-me nele como me repito em corpos errados.

Obrigado, sweet Joanne, por me fazeres reparar nisso.
O Paulo derrepente fez Pufff e desapareceu num trágico acidente: o pior, se o há, é o facto dessa presença se manter ainda mesmo quando ele já não existe.

Qualquer coisa de horrível me leva até uma estação de comboios e me faz ver uma mulher de 22 anos a chorar compulsivamente depois dum encontro estranho num instituto de medicina legal, num hospital cor de rosa morto, atestar a realidade dum melhor amigo sem vida no corpo.
Este flashback assustador relembra-me ainda esta mulher perdida entre paredes e caminhos a pé, perdida entre um telemóvel incessante e um descontrole emocional terrível.

Devo este esclarecimento a leitores curiosos e devo-o a mim própria.
.

Não consigo imaginar menos aqui em cima. Aqui, onde tudo se passa.
Dava tudo para que nada daquilo que tivesse acontecido, dava tudo para pudermos repetir um Sudoeste juntos, dava tudo para não ter visto o desespero de toda a gente naquele funeral. A tua mãe. O teu pai. Os teus amigos. Tantas flores.

Passaram-se meses e a dor mantêm-se inexplicavelmente.
A Joana foi o pouco que deixaste para mim: espero mantê-la.

Dava tudo para te recuperar vivo,: dava tudo para te levantares do chão e irmos ao Sudoeste novamente.
Dava ainda mais para não ter passado o concerto de Beck com a cabeça na tua barriga, a pensar num idiota com quem perdi o meu tempo, para me ter dedicado a ti e ao tanto que devia morar ai dentro,

- e ainda mora, não mora?porque é verdade aquela estória de que somos muito mais que carne e sangue a correr em circulos debaixo de pele que rodeia ossos, não é Paulo?Não é?
É.


A música, aquela da Amelie Poulin, aquela da banda sonora que ninguém parece saber o nome, essa mesma, aquela que eu pûs a tocar no quarto, aquela que me assustou por achar que chama as pessoas como tu, pessoas que vivem agora do outro lado.
Como tu. Agora. Do outro lado.
Tu agoras moras do outro lado. Eu deste.

Sempre achei que se alguém que eu amasse muito morresse eu ia esfregar o chão com as unhas até o arracar do caixão.
Sempre achei que o faria mas não o fiz.
Cuida de mim, miúdo.



Nota da autora: Qualquer marca com a realidade não será mais do que pura coincidência.

Open fire


(...) Desfazer cascas de ovos com a ponta dos dedos, imaginá-los picados, magoados, com sangue, e lembrar-me de pratos de cerelac feitos em massa numa mesa grande de madeira,

- bebés, pois sim

imaginá-los todos, alimentados, felizes, a rir.

É chá quente para uma mulher magra, selecta, sentada numa cadeira.
Esta mulher aqui, de cabelo meio grisalho, elegante, não se entende com o corpo desde o dia em que nasceu.
Não se masturba e come pouco.
Um marido. Um filho: resultado estrábico duma primeira noite a cumprir entre lençois de linho brancos e sangue virginal.
O milagre da concepção é tão fodido como o amor.

- os bebés, os das linhas de cima,
brincam num pátio,
oiço-os a rir.
O riso próprio de quem só tem dois dentes na frente e um babete sempre me arrepiou.
Oico-os desde o momento em que acordei hoje

É esta mulher que vos falo, a do chá, a do único filho médico, e do marido da única noite já morto,

- já vos disse que o marido dela ia ás putas?


Vou ter de interromper o texto.
Os bebés. Eles, os das linhas de cima. A mulher do chá.O sangue virginal, o filho dela.
Os bebés? Ainda. O riso. A minha cabeça.


segunda-feira, julho 19, 2004

I do keep smiling when I´m thinking of kiling myself

  
  
 
Sinto que há coisas a perseguirem-me, a correr atrás de mim, e só hoje descobri quem.
 
Os candeeiros da rua. Eles. Esses mesmos. Parecem mortos.Esses, os que parecem estar mortos sem estarem.,
 
            O Paulinho morreu, não foi? Foi mesmo, ou fui só eu que sonhei?
Porquê é que ele ainda faz tanta falta, joana? Sabes?
 
Esses, quietos e longos: descobri hoje que são eles, esses, os candeeiros, estáticos como goelas cinzentas a darem luz aos que passam,
- e eu sou daquelas que passa, e eles devem ter-me achado graça.
 querem enganar-me mas não conseguem.
 
Não o consegui ver morto, no caixão onde o puseram. Sou uma fraca.
Tenho saudades dele mas não lhe posso dizer porque ele está morto e os mortos estão como os telemoveis sem rede.
 
Alguém que  por favor lhes diga que descobri tudo hoje.De manhã. No comboio. Quando ia para casa.
 
- não, a mim não me enganam, e já não tenho medo deles.
 
 
 
........
 
 
Lavei-me na máquina e pus-me a secar ontem.
Qualquer emergência estou presa  a duas molas no estendal. 
 

Can you please send me home before I tumble to the floor?

 
Quem de nós ficou preso a isto, quem de nós morreu, qual de nós foi o corpo que ficou debaixo do camião?
 
 
I really wanna forgive the both of us:
 I would like to get some sleep, with no pills on, please nurse, no pills today.
 
 
Desisto-me com a calma quente de quem se senta ao computador para imaginar gente que não existe para me fazer companhia.
Eu, pessoalmente, tambem não existo, não sou daqui, nunca ninguém fez isto parar para eu poder sair, nunca ninguém se importou com isso, nunca ninguém ergueu um dedo,
          levantou uma voz,
ou me levou ao colo para um sitio onde tratassem pessoas que pensam demais.
 
Depilei-me depois de almoço e pus-te os meu pêlos no pão com manteiga que te dei ao lanche. Disseste-me que te ias embora hoje e eu quis ir contigo, no teu estomago , em forma de pêlo.
 
Não saberás e sinto-me realizada duplamnete: sinto-me inteligente e tua.
 
Não queria que tivesses ido, mas tive de fazer-te as malas antes que a roupa que vestes me apodrecesse a casa.
Sou pouco. O mimo e o egoísmom são-me pilares estruturais.
Faço-te as malas, ponho-tas à porta, mas não sem antes te ver lanchar.
São os meus pêlos, bocados de mim, do meu corpo, que levas contigo. Sinto-me novamente altamente realizada
- tenho o ego a bater palmas,
 
realizada, semi-feliz.
 
Inadvertidamnete bocados de mim serão absorvidos pelo teu intestino e estaremos para sempre juntos sem que tu saibas.
Para sempre. 
  
 

terça-feira, junho 29, 2004

Já vos disse que adoro este texto? ....e pleeze está tudo proibido de em dar parabens :x

A preguiça




A alma adora nadar.

Para nadar, há que deitar-se de barriga. A alma despega-se e parte. Parte a nadar. (Se a vossa alma parte quando estais de pé, ou sentados, ou de joelhos, ou apoiados nos cotovelos, para cada posição corporal diferente a alma partira com uma locomoção e uma forma diferentes, segundo concluirei mais tarde).

Fala-se muito em voar. Não é isso. O que ela faz é nadar. E nada com as serpentes e as enguias, nunca de outro modo. Há imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar. Chamam-lhes vulgarmente preguiçosos.

Quando a alma deixa o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal libertação de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontracção tão íntima.

A alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoante a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia romper) seria terrível

para eles (para ela e para ele).

Então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se, por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como mercúrio, ou como gás – gozo interminável.

É por isso que o preguiçoso é incorrigível. Nunca mudará. É por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Pois acaso haverá coisa mais egoísta do que a preguiça?

Tem fundamentos que o orgulho não tem.

Mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.

Quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imediatamente.

Olham-vos então com esse olhar de ódio, bem conhecido, que se vê sobretudo nas crianças.

sexta-feira, junho 18, 2004

Ela dizia que bichos lhe saiam do corpo e fugia deles....It´s not our fault

Facas da cozinha a correrem atrás de mim, saídas da gaveta e rumarem-me aos pulsos brancos : dizem de forma gravosa que vão numa missão secreta para os abrir.

E sim, bocados da minha carne pelas paredes do quarto- brancas
tão brancas que apetece dormir nelas
num tiro dado contra um cérebro que define uma pessoa, uma indentidade, um individuo que se relacionou com outros e que por isso também estao lá,esses outros, naquele cérebro desfeito a escorrer agora pelas paredes,
-brancas,
neste quarto aqui, senhor agente...

Ninguém sabe porquê...ninguém sabe.



quarta-feira, junho 16, 2004

The Fox and not the box.......( perdão senhor leitor-e sim, vi o seu memo)

Hoje vi um cão na rua e era bonito: parecias tu.
Quis dar-me a comer. Saciá-lo com os meus dedos
as minhas mãos
um pedaço da minha orelha
ou atirar-lhe o meu nariz....


Ele num latir vulgar disse que não.




"A luta das mulheres para conseguir a igualdade social tem profundas raízes na História, embora obscurecidas pelo facto da história ter sido tradicionalmente escrita por mãos masculinas."
Isto faz sentido.


"Misseis não distinguem terroristas raivosos de camponeses miseráveis. A guerra jamais será um mal necessário"
Isto faz todo o sentido.


"A instauração de um universo securitário resultará na drástica redução de liberdade individual, essência de regimes democráticos, em termos que farão empalidecer a ficção de Orwell"
Tenho saudades tuas.

terça-feira, junho 15, 2004

The quick brown box jumps over the lazy dog

Restabelecer o amor-próprio, erradicar vergonha e eliminar o medo. Resolveste salvar-te e não sabes.Vais deixar uma saudade estúpida presa a um laço ridiculo que criei contigo através de um morto
- e ele está morto, é a verdade
e eu odeio-vos a todos incluindo a mim mesma.

Foste o pouco que restou dele e agora vejo-te ir.
Tu.Também.

Partilhámos uma criatura fantástica que já não existe e sobrámos nós.Pensei que sempre sobraríamos.
Dois corpos diferentes, com a mesma angústia triste de quem não sabe o caminho a seguir.


Vais-te com a desfaçatez de quem faz uma mala e vai para Itália e eu vejo-te ir.Ir. E vão coisas minhas lá dentro também, e não há putice de controladores de viagens que te façam parar.
Talvez porque nem tu mesma o possas fazer.



<Ergam-se taças ao pior de todos estes posts.

Itália. E sei que te salvas sem saberes.

segunda-feira, junho 14, 2004

Frases demasiadamente inteligentes para serem minhas (lol)

*Amor não é dependencia nem sexo: é amizade.
Não_faço_ideia


*Gostar é possivelmente a melhor maneira de ter. Ter é, possivelmente, a pior maneira de gostar.
Saramago


*Uma das mais deliciosas manifestações de amor é a falta de respeito.
Nao_faço_ideia


*É esta a civilização atarantada onde não quero viver. Can anyone make them stop?
Uma_gaja_gira_que_conheço


A abstinência é o anjo da morte do próprio amor.
Não_faço_ideia


As filhas de Eden tem entre pernas as chaves do céu e do Inferno.
Uma_citação_dum_livro_qualquer_que_li


A paixão é um estado de tensão obsessiva que muitas vezes leva ao engano.
Alçada Baptista

Deus organizou este mundo de forma tão sábia que não permitiu a concepção humana por geminação, como as plantas.
Uma_citação_dum_livro_qualquer_que_li



*Os homens são estropiados emocionais. A função essencial do homem é produção de esperma. Cobardes, os homens projectam a sua inerente fraqueza nas mulheres e atribuem a si a força feminina.

Valerie Solanas

* O metro vomita-me. O tédio come-me.
Uma_gaja_gira_que_conheço

quarta-feira, junho 09, 2004

Nothing but blue skies from now on

Bocados de rendas pretas a serem comidos e soutien mortos pelo quarto. Eu.
Um pedido secreto de ajuda e o Sousa Franco morreu. Morreu.
Ontem viu-o na televisão, anteontem também, contava vê-lo amanhã, contava votar nele nas putas das eleições, mas, guess what, agora já não dá porque morreu.
Again.
The same fuckin´shit.

Tal e qual um idiota que conheci e que também resolveu morrer sem se despedir de mim, sem me dar tempo para perceber o que seria o depois disso,e sobretudo sem que ninguém me explicasse que o tempo até passa mas as putas das saudades não.

E há saudades escondidas debaixo destas. Porque as saudades se cobrem como placas tectónicas e têm uma tendência estúpida para solidificarem. Às vezes mexem e provocam calamidades no interior humano.
O Sousa Franco morreu.

Apetecia-me um gelado, apetecia-me uma data de coisas que não posso dizer aqui porque sao imorais , ilegais ou engordarão mentes preconceituosas e o Sousa Franco morreu.
Aposto que o PS ganha as próximas eleições e aposto que a família deste homem nunca se deve ter sentido tão perdida.

Depois disto tudo só me resta acrescentar que dava tudo para ter cinco anos outra vez, e ir para a escola esperar a minha mãe junto à grade verde, tendo a certeza absoluta que ela vai chegar rápido. Rápido.


Nothing but blue skies from now on.

quarta-feira, junho 02, 2004

Love Letter to António Lobo Antunes

Faz todo o sentido.
Vê-lo, abraça-lo e dizer-lhe baixinho que os seus livros são qualquer coisa de pessoal e intransmissível: tal como passes sociais na vida dos utilizadores de transportes públicos.

Vê-lo assinar livros: imaginá-lo a escrever numa mesma posição, sentado, com semblante semelhante: com a mesma ternura estranha que transpira dos olhos - e não sabe, nem desconfia.

Parece-me um homem feliz que passou desgostos, como um menino que come favas porque a mãe manda.


Bebeu àgua ao pé de mim
escreveu parou de escrever olhou as pessoas
voltou às assinaturas
olhou para mim escreveu outro livro apresentou-me à sua dignissíma tradutora alemã,

- mantenho-a desde o ínicio, disse-me.
rimo-nos em cumplicidade por causa da frase idiota que escrevi;
Lobinho no seu very best.
Riu-se. Eu ri-me. Criámos empatia.
Continuei à espera que terminasse as assinaturas.
Deu-me o último livro. Agradeci-lhe, tremi e pedi-lhe um abraço.
- aqui no meio desta gente toda?
Claro, respondi.Claro.

Invejei a sua tradutora terrivelmente. Sou uma idiota.

Não pergunte porquê, mas tenho-lhe uma mistura de dedicação e afecto: nada de patológico, descanse. É uma paixão morna, irreal, educada e controlada no plano da fisicidade.
Gosto de si, só isso.
E espero que continue a fazer-me companhia com as suas estórias quando o sono não vem.









segunda-feira, maio 31, 2004

Just a simple breast to give me food....

(...)A carne arrancada, mordida, não reage da mesma forma que a carne que é beijada.
As leoas africanas não são pretas, tem o pêlo escuro mas não são pretas.Qualquer uma amamenta a sua prol com um carinho mudo de difícil compreensão a humanos.Qualquer leoa sabe deitar-se pra oferecer o peito carregado
cor-de-rosa inchado
a criaturazinhas pequenas com gengivas a fingir de dentes. Amamentam-nos.
Raramente as mordem: dificilmente as ferem.
Se o fazem é por uma patada irreflectida, um deitar descomposto: se as magoam será sobretudo sem querer.
E lambem-lhes o sangue quando ele cai. E lavam-lhes o focinho com a língua esticada fora da boca.



E tu, sweet mother: Porque é que nunca me fizeste isto? Vou-me embora e tu não sabes.
Adormeceste no sofá com a televisão ligada. Oiço a novela do meu quarto. Sempre tiveste uma tendência estranha para as novelas mexicanas do canal 44.São as piores.

Penso em fazer malas e evadir-me daqui a pouco: quando o sol nascer e for dia.
Sairei de malas feitas, pela calada, assinando sentença de culpa sem a ter. Sou uma ingrata.
Mudar de mundo e de planeta, sabendo que te farei chorar, que sentirás a minha falta, que sofro por te saber doer, e que tem tudo mesmo de ser assim.
Não acredito que isso faça de mim uma criminosa, mas talvez faça.
E tu não és como as leoas Africanas ainda que saiba que serás destrutiva na interiorização do meu não-regresso.
Sempre soubeste que dou dentadas no cordão umbilical desde o dia em que nasci.


Sofrerás, bem sei. Lamento tudo, mas lamento mais o facto triste dos nossos mundos nunca terem podido marcar uma hora para tomar café.
Preciso de espaço, de tempo e de muita liberdade solta para explorar o mundo novo que me deste no momento em que decidiste abrir pernas pra me fazer nascer. Foste tu que as decidiste abrir. Eu não pedi nada.
Mas sim, também sei que te devia estar agradecia eu sei,
- Sim.. doeu-te um bocado, pois sim.... tudo a ferros...E sim, já sei, engordaste imenso.

A tua barriga nunca mais voltou a ser aquilo que foi. Sempre me disseste.

E tenho pena que não entendas que ser mãe deve ser muito mais do que umas estrias gordas e brancas coladas à pele da barriga.
Vou-me embora e não arranjei a coragem necessária pra te dizer. Tenho medo que te saias com uma frasezinha infeliz que me faça ir antes do previsto sem cumprir o ritual que estipulei, ou que me faças chorar impedindo-me a viagem. Sou uma estupida sensível, eu sei, sempre me disseste.


Não sei o que acontecerá daqui para a frente. Espero que não chores muito, mas achar que te vais rir dá-me dores de estomago. Prefiro a ideia do choro compulsivo.
Conheço-te o suficiente para saber sentirás vergonha de ti, nem é de mim, é de ti, por teres engravidado de um homem feio que não amavas e por teres tido dele uma filha como eu.

Depois de tanta catequese e de tanta oração, eis-me irrecuperável e pouco decente.

Queria aproveitar pra me confessar-me a ti, corpo materno, pedir desculpas por culpas soltas na alma que quero agora rematar e quantificar contigo. Por ter perdido a virgindade no banco de trás do primeiro rapaz que me apareceu,
por te assaltar o porta moedas desde os dez anos,
por ter dormido com vários homens na tua cama e ter gostado,
por ter começado a fumar aos treze,
por ter aparecido na tua festa de anos com o cabelo loiro e as sobrancelhas pretas,
por ter colocado pedaços de unhas dos pés no café dos teus namorados.

(porque é que sempre me mandavas cortar as unhas no meio dos desenhos animados?)

Por me deitar de forma ostensiva com o primeiro nojento que diz que me ama
(e eles nem tem de se esforçar muito, basta dizer baixinho, com a boca encostada no meu ouvido, que logo me começo a despir...)

Tenho este lado de cabra sedutora que herdei de ti. Os genes são teus arquétipos.
Só Bach me alegra nestas ocasiões e nem foste tu que mo apresentaste: fui eu quem o descobriu sozinha, da mesma forma que descobri como juntar leite nas papas da Cerelac pra comer antes de ir para a escola, da mesma forma que aprendi a atar os tennis sem o teu auxílio.
Como podemos ser tão diferentes se eu vim de ti e tu és de mim?

Precisava de alguém aqui. De vez enquando preciso. Quem quer que seja.
Tu nunca percebeste nada daquilo que te quis dizer.
Que sempre que me ia deitar ao pé de ti de chucha, era expulsa do teu quarto porque havia alguém na cama. Que sempre que me tentava enroscar em ti era hora de ires para o escritório, naquele teu velho papel de secretária e amante que sempre fizeste tão bem.
Recuso-me a acreditar que aquele monstro amorfo, careca, que cospe para o chão e te subjulga de forma ordinária seja, em pessoa, a tríade imperfeita:

teu dono teu patrão meu pai.

Não sei se te esforçaste e não conseguiste, ou se nem um esforço ligeiro terás feito pra sermos as duas uma família de verdade. E todos acham que tu és a maior.
Vou sofrer se te acontecer alguma coisa. Sei que vou ser torturada pelo remorso de te ter causado desgosto, mas se o não fizer serei maltratada pela triste dor de nunca ter chegado a fazer.
Não pedi nada disso, mas vem tudo no pacote.

Encontrei uma pessoa diferente(bem sei que sempre digo o mesmo mas desta vez ele diz que quer tomar conta de mim. Peço-lhe que o faça só um bocadinho, que me dê colo)
Ele diz que posso demorar o tempo que quiser no colo dele, que não tem pressa em me
des-
colar dele.

Ando mesmo a precisar de colo, mas acaba sempre por ser somente por alguns segundos: sempre me ensinaste a ocupar pouco tempoàs pessoas.
Bem sabes que odeio fazer-me de vítima, que o faço mal, mas ainda tenho medo. Medo. O medo. Um medo líquido que se cola às paredes da alma e ninguém o faz sair. Medo.
É o medo que faz o mundo girar, o medo e a raiva, e não o amor como sempre acreditei, nem o dinheiro como sempre insinuaste.
É o e a
medo raiva.

Amanhã, viste como vai ter o tempo?chuva?
Vou deixar o papel num dos anões do frigorifico e levo a minha tralha. Não levo fotografias. Limpei o quarto.
Levo toda a roupa.
No papel explico.
Deixei-te beijinhos.Digo-te lá que me vou embora de livre vontade, que não quero que me procures, que vou absolutamente consciente, e que sei bem o que estou a fazer.

Telefono-te assim que chegar a algum sítio em condições. Sei que se te telefonar antes notarás o desespero na minha voz e te atemorizarás desnecessariamente.
É o orgulho que herdei de ti me impedirá sempre de voltar.
De qualquer forma amo-te.
De qualquer forma, muito.


quarta-feira, maio 26, 2004

See you in heaven.............

Gostava de falar de ti como se estivesses vivo.
Se estivesses, certamente nao iria descansar enquanto não soubesse que puseste aqui as patinhas, que vieste ler-me, que havias deixado um comentário básico, curto, incisivozinho, e que tudo faria um sentido perfeito, o mesmo que não faz hoje.

Os passos do tempo foram maiores e mais rápidos e não te posso alcançar. A morte vem depressa para aqueles que não a chamam.




Vou passear hoje com a Joana. Ficámos amigas.
Às vezes falamos em ti. Acho que pensamos mais em ti do que contamos uma à outra. Acho que nos queremos poupar às lágrimas. Acho que não queremos chorar mais.
Acho que haveria muito para chorar se nos propusessemos a isso.


Criámos um habitat próprio sobre as nossas dúvidas, sobre a morte, sobre o mundo, sobre o que fazer com as nossas vidas.
Silenciamo-nos porque a partilha de mundos interiores conturbados é tóxica.

Vou passear hoje com a Joana à feira do livro. Ficámos amigas.
A minha sobrinha Mónica deitou-se em cima da minha cama a ouvir música, de perna cruzada e cabelo entregue à almofada.
Aprendi uma data de coisas ali com ela: uma miúda de 8 anos, com uma tendência estranha para a absorção de melodias,que salta à corda e vê o bambi enquanto lancha, sabe que existem momentos de silêncio entre nós e os outros; e pior, sabe como acabar com eles em afirmaçoes básicas do género "vamos passear, tia".

Vou passear.
A joana, lembraste dela?Vou passear com ela. Feira do livro. Hoje.
Tu não vais. O lobo Antunes não vai.
Não ficaste.Não ficaste.







First blog of my life....

Não me saem as palavras certas para anexar aqui, ao primeiro blog.

Esta ansiedade estranha faz-me tremer dedos (ou eles últimamente já tremem por_dá_cá_aquela_palha) e acredito que pode ser uma óptima forma de expor pensamentos, actos e omissões.
Por minha culpa , minha tão grande culpa.

Welcome you all, my dearest friends