quinta-feira, agosto 05, 2010

Cadáveres adiados que procriam *

E hoje, isto tinha de ficar vermelho.




*(frase adorável roubada a Ricardo Reis e ouvida hoje pela boca dourada do meu querido amigo Tiago)

terça-feira, agosto 03, 2010

Cartas a M. - XV carta

Querida M.,

Vejo-te reagir.
Ver-te reagir é ver o mundo mexer-se aos poucos, como quem vai acordando daquele que foi (e talvez ainda seja) um sono profundo. 5 anos de um pesadelo profundo.
Temos assistido diariamente a pessoas conhecidas que morreram como a tua mãe: encarquilhadas pelo cancro (o A. Feio, o M.B. Resendes). E eles eram inteligentes e apareciam na TV, mas acabaram como a tua mãe, que era inteligente, bonita e não aparecia na TV. Morreram de cancro. Às vezes acho que temos medo de dizer a palavra toda, como se a palavra toda se pudesse concretizar em nós e acontecer-nos.

Sabes, M., ao contrário de ti e de todos os nossos amigos, eu nunca tive muito medo de morrer. Sempre que a morte me passa ao lado, eu aproximo-me dela e cumprimento-a com respeito. Talvez porque me sinto plena e cheia de sorte ou talvez também porque sei que um dia será a minha vez. Ao olhar para trás, nestes curtos 29 anos, penso que tive uma vida cheia de pessoas fantásticas e não podia ter recebido mais. É essa tranquilidade instalada que me permite dar-te colo e esperança quando tu não tens nem sentes nada: os meus ciclos abertos e fechados, gente perdida pelo mundo que todos os dias preenche a minha memória e os meus afectos, a minha consciência e os obstáculos que enfrento.
Ontem pensei em mim como uma estufa quente com vida própria e cheia de microorganismos(leia-se afectos ) altamente raros, únicos e dignos de uma análise cirúrgica.

Ontem vi-te rir. Não foi uma gargalhada: mas esteve quase lá.
E isso, M., really made my day.