Querida M.,
A tua mãe voltou para casa. Engordou 6 kilos.
Ganhámos esperança.
domingo, abril 25, 2010
domingo, abril 18, 2010
Cartas a M. - IV carta
M.,
Tenho falhado contigo. Deixei-te pendurada nos últimos dias e coloquei uma data de coisas acima do essencial. Hoje e sempre o essencial és tu e a tua mãe.
Não fui na segunda-feira.
Não fui na terça-feira.
Nao fui na quarta-feira.
Não fui na quinta-feira.
Não fui na sexta-feira.
Não fui no sábado nem vou hoje.
Mas tu dizes-me que ela está bem melhor.
Tenho falhado contigo. Deixei-te pendurada nos últimos dias e coloquei uma data de coisas acima do essencial. Hoje e sempre o essencial és tu e a tua mãe.
Não fui na segunda-feira.
Não fui na terça-feira.
Nao fui na quarta-feira.
Não fui na quinta-feira.
Não fui na sexta-feira.
Não fui no sábado nem vou hoje.
Mas tu dizes-me que ela está bem melhor.
sábado, abril 10, 2010
Cartas a M. - III carta
10.04.2010
Querida M.
Está um dia bonito.
Sonhei que estávamos no Alentejo, na tua casa. Tenho pensado na tua mãe e no sítio onde ela está. A Casa de Saúde das irmãs tornou-se, nestes últimos anos, um ponto de refúgio e de criação. As doentes são para mim, motivos de textos e de pensamentos. Mas os cuidados paliativos e a sua área nova mostram um mundo que eu havia esquecido. O fim. O nosso.
A morte nunca me assustou, a sério. Não a minha.
Vou ver a tua mãe hoje. Vou trazê-la para o jardim, custe o que custar.
E vou ver onde é que posso arranjar presunto a esta hora da manhã.
I.
Querida M.
Está um dia bonito.
Sonhei que estávamos no Alentejo, na tua casa. Tenho pensado na tua mãe e no sítio onde ela está. A Casa de Saúde das irmãs tornou-se, nestes últimos anos, um ponto de refúgio e de criação. As doentes são para mim, motivos de textos e de pensamentos. Mas os cuidados paliativos e a sua área nova mostram um mundo que eu havia esquecido. O fim. O nosso.
A morte nunca me assustou, a sério. Não a minha.
Vou ver a tua mãe hoje. Vou trazê-la para o jardim, custe o que custar.
E vou ver onde é que posso arranjar presunto a esta hora da manhã.
I.
quinta-feira, abril 08, 2010
Cartas a M. - II carta
05.04.2010
Querida M.,
A tua mãe está magra e cansada e eu levei-lhe flores amarelas do Lidl.
Vinha tarde do trabalho e o Lidl estava aberto. Agarrei nas primeiras flores que encontrei, pensei que devia trazê-las todas para a tua mãe ter um quarto feito de flores, estilo rainha.
Ela gostou. Tu gostaste.
Entrei pelo portão de ferro e um enfermeiro jovem indicou-me o quarto certo. E ficámos lá as três, sem perder o ritmo de uma conversa que se fez doce de saudades. Falámos do dia do teu casamento, como estavas bonita - eu fui a primeira a chegar para te abraçar- como o Alentejo te deu um tempo feliz e foi tudo tão perfeito. E ali éramos nós: 3 mulheres de idades diferentes a falar do mundo, da vida, de como a tua mãe vai regressar rapidamente a casa. Casa. Notei que ela quer muito ir para casa.
O teu irmão vem de manhã, o teu pai à tarde, tu à noite. E ela está farta de vos ver dormir no sofá.
Dizes em cada 2 minutos que isto vai acabar rápido, que ela vai ficar só uma semana e depois fica boa e vai para casa. Eu sei que sim.
Eu sei que sim.
Querida M.,
A tua mãe está magra e cansada e eu levei-lhe flores amarelas do Lidl.
Vinha tarde do trabalho e o Lidl estava aberto. Agarrei nas primeiras flores que encontrei, pensei que devia trazê-las todas para a tua mãe ter um quarto feito de flores, estilo rainha.
Ela gostou. Tu gostaste.
Entrei pelo portão de ferro e um enfermeiro jovem indicou-me o quarto certo. E ficámos lá as três, sem perder o ritmo de uma conversa que se fez doce de saudades. Falámos do dia do teu casamento, como estavas bonita - eu fui a primeira a chegar para te abraçar- como o Alentejo te deu um tempo feliz e foi tudo tão perfeito. E ali éramos nós: 3 mulheres de idades diferentes a falar do mundo, da vida, de como a tua mãe vai regressar rapidamente a casa. Casa. Notei que ela quer muito ir para casa.
O teu irmão vem de manhã, o teu pai à tarde, tu à noite. E ela está farta de vos ver dormir no sofá.
Dizes em cada 2 minutos que isto vai acabar rápido, que ela vai ficar só uma semana e depois fica boa e vai para casa. Eu sei que sim.
Eu sei que sim.
sábado, abril 03, 2010
Cartas a M. - I carta
03.04.2010
M.
Amanhã vou ver a tua mãe. Vai ser a primeira de muitas visitas que lhe pretendo fazer, por variadíssimas razões. A primeira de todas é porque me quero despedir dela antes que o cancro a leve definitivamente e eu não tenha tido a oportunidade de lhe dizer ao ouvido que gosto dela e que ela me parece a alentejana mais bonita que algum dia conheci. Todos os dias que seguirem o dia de amanhã, vou confessar-lhe a pés juntos, que ela me parece cada dia melhor
(está nos cuidados paliativos)
Cada dia mais bonita
(cuidados paliativos)
Cada dia mais forte
(paliativos)
e que vai sair dali rapidamente para voltar para casa
Este blogue vai virar um diário. Aquilo que sinto em relação à escrita mudou, M. Mas nós nunca falámos sobre a minha escrita porque sempre tiveste vergonha daquilo que eu escrevo e hoje não é dia de falarmos disso. Queremos falar de ti. Da tua mãe. Preciso falar de ti, da tua mãe, da forma como ela nos está a morrer nos braços e da forma torta como me sinto pequena e incompetente para vos salvar às duas.
Era isso, M.. Queria salvar-vos.
M.
Amanhã vou ver a tua mãe. Vai ser a primeira de muitas visitas que lhe pretendo fazer, por variadíssimas razões. A primeira de todas é porque me quero despedir dela antes que o cancro a leve definitivamente e eu não tenha tido a oportunidade de lhe dizer ao ouvido que gosto dela e que ela me parece a alentejana mais bonita que algum dia conheci. Todos os dias que seguirem o dia de amanhã, vou confessar-lhe a pés juntos, que ela me parece cada dia melhor
(está nos cuidados paliativos)
Cada dia mais bonita
(cuidados paliativos)
Cada dia mais forte
(paliativos)
e que vai sair dali rapidamente para voltar para casa
Este blogue vai virar um diário. Aquilo que sinto em relação à escrita mudou, M. Mas nós nunca falámos sobre a minha escrita porque sempre tiveste vergonha daquilo que eu escrevo e hoje não é dia de falarmos disso. Queremos falar de ti. Da tua mãe. Preciso falar de ti, da tua mãe, da forma como ela nos está a morrer nos braços e da forma torta como me sinto pequena e incompetente para vos salvar às duas.
Era isso, M.. Queria salvar-vos.
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