terça-feira, dezembro 21, 2004

Don't want your hand this time i'll save myself

Café do Sr. António, Torres Vedras
17 de Novembro de 1958


(...)Não é por mal que eu digo isto mas estão duas mulheres de 5 cm a falar em cima da minha mesa do café, bem ao lado da chícara, perto do pires, à esquerda da colher, a metros do empregado de mesa que me serviu.

Vejo-as às duas com uma clareza estranha, sem que mais ninguém neste café se aperceba que an minha frente estão estas duas criaturas minusculas, vestidas à moda, de meia branca e sapato de verniz, com saias a fingir de balões de ar.
Pela postura arrisco dizer que se acham o máximo.

Atento-lhes na conversa, vejo-as olharem-me e a questionarem-se:
- conheces a tipa?

A tipa sou eu. Chego a esta conclusão por exclusão de tipas.
E continuam:
- vem aqui sempre, olhar a janela, não sabias?

- eu venho aqui às vezes, sim, e olho a janela e qual é que é o mal?
digo-lhes.


Falei sozinha.
O empregado olha-me de soslaio. As duas mulherzinhas riem e continuam num diálogo ensurdecedor sobre mim.

Queria calá-las antes que alguém as visse ou ouvisse: não queria que me achassem louca.
Uma delas pergunta á outra
- consta que enfeitou um pinheiro murcho

e eu grito levantando-me da cadeira:
- o pinheiro não estava murcho, já estava assim quando o meu marido o trouxe hoje

elas respondem:
- não estava nada...mas também, com aqueles enfeites, até eu murchava
e riem.

Calo-as com o pacote de acúçar que lhes coloco em cima para as fazer parar.

O pinheiro ficou óptimo, os enfeites perfeitos, as fitas exemplares: sou a dona de casa que todo o marido cansado deseja ter:
porque sei cozinhar,
sei limpar,
sei fritar,
sei arejar,
sei fazer qualquer tipo de bolo,
arranjo o jardim sozinha de manhã
sei congelar,
sei assar,
faço o melhor pequeno almoço do mundo

-mas sabes amar?

e sei fazer a cama,
sei que não preciso de empregada,
sei que sou um ás a preparar molhos especiais para a carne de domingo,
sei que a minha sogra me adora

- e sabes fazer filhos na barriga?

e sei fazer centros de mesa
- filhos? Claro que sei, toda a mulher sabe-
e troncos de natal e bolo rei em casa
-
mas disseram filhos?- e ás quintas feiras visto-me de branco e sou o que quer que eu seja- filhos?

- sim, filhos? Consegues?

As vozinhas delas, estridentes, acutilantes, entram pelo ouvido, moem-me a paciência como o ganir de um caniche histérico por afeição

- não podes, não podes

esmago-as com as pontas dos dedos e digo-lhes:
- desculpem-me mas até foi de propósito, desculpem

Viro a cara para a janela que chove e oiço num repente estranho:
- é tão estúpida que pede desculpas

Estão vivas.
Grito-lhes, mando-as calar, o empregado de mesa vem ter comigo e pergunta se está tudo bem

- sim, evidentemente
e acabo o café.

Elas olham-me, desafiam-me e desistem de mim.
Mudam o tema da conversa por puro desinteresse e dizem uma à outra:
-
voluntariza-te e coça-me

Espirro o resto de café que tinha na boca e grito-lhes:
- anãs miseráveis

A de azul baixa os collants à de vermelho e coça-lhe o interior das pernas..

Grito
-párem com isso suas porcas
o empregado vem à mesa, limpa-as com um pano:

elas riem-se de mim, no pano molhado, e vão-se.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Dá-me forte no chão, não me peças o teu nome que uns dias sei mas hoje não. Mostra-me se sabes dançar, com esse jogo de pernas nem dá para duvidar. Sabe-me sempre a pouco e quando estou cansado é quando fico mais louco. (...) Levei o teu sabor, a tua pele, o teu perfume, deixei na tua cama todo o toque que nos une. Fugi como quem teme e quem ama a solidão, serei homem quando o leme conduzir a minha mão. Quero-te encontrar, mostrar-te enfim prazer não te posso perdoar seres hmmm, seres....... hmmmm e seres mulher. (...) hoje acordei para te mmmmm........" Pedro Abrunhosa

PS: Amei a varanda... e tudo o resto...