sexta-feira, maio 26, 2006

O poema que não é

O ritual do alimento.
O estrangular da comida na garganta depois de submetida ao sofrimento provocado pela tortura da mastigação: aqui
aqui na boca, no sítio onde dentes fortes coabitam à maneira de casas americanas com jardim
- em sentido, cima das gengivas

e onde tudo é sempre vermelho
tudo é tão vermelho
tudo é tão quente
tudo é húmido
- eu sempre quis viver dentro da minha boca.


Talvez por isso me cuspo tanto; por pôr tantas vezez as mãos na boca na tentativa de juntá-las dentro
(dentro da minha boca)

para me poder sentir na minha língua
nos dentes
para me poder ter na saliva que caí
(queria tanto poder sentir-me mais)

e talvez por isso me deixaram aqui, longe de todos:
longe daqueles que acham que andar nua na rua de mãos na boca
é insanidade criminosa
(mãos na boca embebidas em saliva do corpo)
-da boca

é estranho.






2 comentários:

de Matos disse...

tem uma boa semana :)

Anónimo disse...

Ler o que escreves tornou-se um ritual. Preciso de uma cadeira e de um cigarro....e, já agora, estar num sítio em silêncio.
em silêncios...