quarta-feira, junho 14, 2006

Bolha


como se isto não passasse disso mesmo; uma bolha enorme, convexa, onde toda a gente no mundo pudesse caber, onde todos tivessem o seu lugar determinado à hora do jantar, onde eu ao lado do Lobo Antunes pudesse partilhar a mesma sopa de espinafres enquanto ouvia

(exactamente como me disse na feira do livro)
- se todas as meninas da faculdade de letras fossem como a menina, eu iria lá mais vezes

ao que eu responderia
- eu gostei tanto de si quando tinha 19 anos, eu queria tanto abraçá-lo quando tinha 19 anos:
porque é que esperei na fila se eu gosto tanto de si?

porque o meu processo criativo envolve ouvir Muse contando as pombas que passam lá fora, de nariz colado ao vidro quando
(quando)
quando lá fora o som da chuva a cair é o mesmo som cristalino vertido da boca das virgens negras no amanhecer moçambicano, no meio do capim, no meio do nada que é tudo:

o amanhecer que cheira a um tacho de goiabada a fazer-se, borbulhante
(a bolha )
vigiado pelos olhos e pelas mãos atentas da irmã Elvira.
Isto porque há muito tempo que a materialidade do prato,
da colher
da faca
do garfo
e do copo
alinhado coerentemente à minha frente
(o copo de levar à boca para beber)

deixaram de ter o significado de outrora:
a magia da condução do alimento a fazer-se nós
- eu sou o bife de ontem do jantar; o leite com café do pequeno-almoço.
eu sou o bolo de chocolate da minha madrinha que comi anteontem: sou o chá de tília que me levantei para fazer às 4:32 da manhã quando o sono desistiu de mim e eu fui à procura dele para a cozinha com os meus dois pés
(fomos os três sozinhos para a cozinha à procura dele)

e acabámos os seis a pensar em ti
(eu, os meus dois pés, a chávena, a colher e o acúçar)

a pensar em nós a fazer amor na tua cama no momento em que disse
- preciso fazer amor contigo 5 vezes ao dia para conseguir pensar

e a tua resposta fácil a fazer-se num abraço apertado que me leva o corpo para dentro do teu: como se isto não passasse disso mesmo; uma bolha enorme, convexa, onde toda a gente no mundo pudesse caber, onde todos tivessem o seu lugar determinado à hora do jantar; onde eu ao lado do Lobo Antunes pudesse partilhar a mesma sopa de espinafres enquanto ele dizia,
dizia.





3 comentários:

kanuthya disse...

Muito, muito bom*

Anónimo disse...

eu sei o que é isso.
gostava de escrever contigo umas coisas.

ja escrevi um livro anda na fnac chamado "quando dormes nunca te odeio" e gostava de escrever coisas contigo.
eu sou tudo.

se te aptecer escrever umas coisas diz me . senti me estimulado por ti.

evilpeterpan@gmail.com

esquizoafectivo

de Matos disse...

sempre com a imaginaçao em alta ;)
bom fim de semana