Há um bolo de chocolate grande em cima da mesa da casa onde se construíu uma festa.
Há esta mulher encostada à porta da cozinha, a olhar o bolo desde o momento em que aqui chegou. Há esta mulher a dizer ao bolo revestido da negritude viscosa do chocolate
(a dizer com as mãos que tremem na surdina das costas)
- que ninguém me abra com essa faca, que ninguém
porque se virmos bem, a mulher encostada à porta transpira o olhar para o bolo desde o minuto em que aqui chegou
- que ninguém me faça isso, que ninguém me corte com a faca
porque se atentarmos melhor, o bolo é fisicamente parecido com ela: envernizados os dois na pele que lhes cobre a carne, ambos lânguidos nos seus lugares, ambos quietos na espera do estremecimento daquilo que se há-de fazer ali
- não me quero exposta, não me façam isso
e no fim dos parabéns, do silêncio das velas apagadas, a faca entrou no bolo e a mulher encostada à porta caíu morta na simultaneidade do acaso.
Ontem cortei as unhas a pensar em ti.
3 comentários:
lolll bem essa ultima frase, partiu-me loll
tem uma boa semana
Lume nas mãos que me mataram.
A menina faz-me lembrar o filho bastardo de Gonçalo M. Tavares e António Lobo Antunes.
Texto surpreendente, e blogue único, assim cor-de-rosa pastilha elástica.
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