Querida M.,
O A. hoje encontrou-me aqui.
Ele já sabia - as pessoas vão sabendo- e abraçou-me com uma força estranha assim que me viu. Achei que me queria consolar, a minha intuição não me disse que aquilo não era para mim, que aquela força de braços não era para o meu corpo, era para o dele.
Contou-me que tem tentado sobreviver ao enterro de um bebé que a mulher ia ter. Passaram juntos o suplício do funeral de alguém que viveu com eles 6 meses numa barriga partilhada e bonita. Eu não vi aquela barriga crescer, nem tive oportunidade de conhecer a pessoa que lá estava dentro.E tenho pena. Mesmo.
Não sei o que se diz a alguém que perde um filho.
Os meus olhos engasgaram-se da mesma forma como quando soube que a tua mãe morreu; a minha garganta contraída de medo, sem nada para te dizer, e ao mesmo tempo a querer dizer-te tanto.
Cumprimentei a mulher do A. com a distância habitual mas apertei-lhe os dedos da mão com mais força na esperança que eles dissessem o que eu queria dizer: às vezes consigo que as minhas mãos falem por mim.
Reparei que tremia.
Convidaram-me para um chá. Eu aceitei.
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