sexta-feira, junho 24, 2005

E se te despisses?

Perdida por seis horas na savana africana, a saber falar pouco Shangana, a saber falar pouco português
- a língua havia enferrujado e não sabia formar vogais palatais.


Policia, congregações. Gente à procura de um corpo por todo o lado.

Eu e esse corpo ali, juntos, entre as estrelas e o cheiro da noite quente
a pedir à terra para entrar nela:
eu e o meu corpo achados num não-retorno, a pedir baixinho ao céu afrivcano para me tirar dali.


E depois disso, depois de ter tomado banho e ter comido,deitada na cama horas mais tarde:
lembrei-me daquele bebé com a mãe na igreja ao meu lado.

Ele e ela.
Ele a reclamar a legitimidade de lhe desapertar a blusa azul em território sagrado no desejo de por à boca uma mama imensa, um seio rijo de leite grosso branco.

Ela a saber aceitar-lhe a boca como parte do seu corpo.


Lembrei-me deles e de mim. Da inveja que senti da solenidade daquilo que se passava ali ao meu lado, da intimidade daqueles dois, da religiosidade do momento:

ela a aconchegá-lo sem o notar
ele a dormir farto de boca colada ao bico do peito negro dela deprezando saciado o veio de leite anónimo que se esgueirava pelo canto da sua boca pequena bem desenhada.

Queria ser ela e queria que ele fosse meu.
Eu.Ele, ela e a ventoinha do meu quarto.
Deixei de olhar a ventoinha do tecto, empurrei os cobertores para baixo e despi-me.
Dormi aninhada no meu corpo e prometi-lhe que no dia seguinte

- eu jurei-lhe que no dia seguinte

iamos dançar os dois lá fora ao sol, em nudez exposta, no jardim onde as flores falam e a lua ri.












Is it just me or is it cold in here?


Excerto de uma conversa num recém inaugurado parque infantil nos arredores de Maputo, entre uma fêmea adulta branca num baloiço vermelho e uma fêmea negra a fazer-se num baloiço verde.




F.A.F- Porque é que está toda a gente a dizer que vais embora?
F.A- Tenho de voltar, baixinha. Voltar para a minha mamã.
F.A.F- Tens mamã?
F.A.- Tenho. E tenho uma cadela.

( tenho mamã sim, uma sexagenária cheia de graça)

F.A.F.- Tens um cão?
F.A.- Tenho. É para acabar o curso, sabes?

(para o acabar.....para deixar de pensar que ando com ele preso na garganta)
F.A.F- Mas a tua casa é longe, não é?
F.A.- Um bocado. Vais de avião.

(Demasiado longe, sabes? Demasiado longe.)

F.A.F- Não quero que vás.
F.A.- sorri, baixa os olhos.

(Não queria ir, sabes? Acho que vão ter de me empurrar para entrar naquele avião amanhã)

F.A.F- Podes levar-me?
F.A.- Quando estiver lá hei-de mandar-te muitas coisas, sabes?...vou mandar coisas para ti.
F.A.F.- Não me vais levar?
F.A.- Vou mandar vir roupa, chocolates, treme-treme vermelho...
F.A.F.- Eu não tenho mamã...posso ir contigo se me levares...
F.A- Queres o quê? Pede-me tudo o que quiseres que eu mando
F.A.F.- Já não gostas de mim?
F.A.- Vou gostar sempre muito de ti....daqui até lá acima...

(amo-te muito, sabes? Tenho mesmo de ir, sabes? Promete-me que não choras quando eu for, promete...)

F.A.F- E se disseres á tua mamã que já não vais?
F.A- Se soubesses como ela é....vinha-me buscar...
F.A.F- E se lhe dissesses que me vais levar?
F.A.- Não queres escorrega?...queres escorrega ou upa?

(ela ia apaixonar-se por ti como eu me apaixonei)

F.A.F.- Quero ir para tua casa quando tu fores.
F.A.- E eu quero nenêcar-te...anda cá baixinha, dá bá....


A fêmea adulta branca nenêcou a fêmea negra a fazer-se...
Dizem que foram felizes para sempre.

2 comentários:

Luis F. Cristóvão disse...

*

Anónimo disse...

És uma luzinha...sempre o foste.
Crescida, agora.


Peter M.