quinta-feira, abril 13, 2006

A Mosca




Esta pequena hora,
sem o teu vulto, sem a tua espera,
foi uma hora triste;
foi como quando se acorda em primavera
já quando a primavera não existe.



(Figueira da Foz, 14 de Agosto de 1939: Miguel Torga)



A primavera sentou-se no carro e partiu.
Eras tu quem guiava o carro e eu não percebi. Colei o meu rosto triste ao vidro da janela e assisti-vos na partida.
Os meus olhos acompanharam-vos enquanto puderam e ficamos na janela a sofrer os três:
eu e os meus olhos.

Apareceu sem avisar uma varejeira na janela; matei-a com a ponta gentil dos dedos da mão direita virando-lhe o corpo de barriga para cima
- sem medo, sem pena

e soube esmagá-la atenciosamente pressionando os meus dois dedos lúcidos nela.
Imediamente os senti húmidos de morte. Era a minha mão assassina que sentia o sangue semi-frio
- como o doce da pastelaria que leva chocolate e chantilly

o sangue semi-frio da mosca: os meus dedos sujos do sangue da mosca gorda morta no vidro da janela grande do meu quarto.

O tempo da mosca se apartou.



1 comentário:

Anónimo disse...

:))))))