terça-feira, outubro 19, 2010

Cartas a M. - XVIII carta

Querida M.,



Anaïs Nin fazia todo o sentido quando descrevia no seu livro “ A Casa do Incesto” o cuspir do seu coração.
Na manhã em que se levantou para começar a escrever o livro, levantou-se e tossiu. Ao tossir saiu-lhe o coração pela boca à laia de vómito de carne.

Pois também eu queria poder cuspi-lo assim, livrar-me dele, fazê-lo sair. Os corações não são úteis, não fazem bem à saúde e normalmente fazem-nos sentir mais pequenos e mais sozinhos do que é suposto.

Se cuspisse o meu coração como ela, queria fazê-lo na sanita.

Ficaria alguns instantes a olhar para ele e a tentar recompor-me. Depois, com as duas mãos, procuraria desfazê-lo com os dedos e as unhas para me certificar com os sentidos que tinha acabado a razão da minha dor.
A segunda morte deste coração dar-se-ia por afogamento numa conduta de esgotos (teria de haver uma segunda morte porque um coração como o meu não morre à primeira).

Só desta forma teria a certeza que ele estava morto, como era suposto, e que nós
( eu e o meu corpo)
criaturas assombradas até à data, estariamos definitivamente livres.

1 comentário:

Anónimo disse...

setimento duro. mas , como tudo, os sentimentos mudam, qualquer dia, todos os dias..
nunca mandes nada fora, é tudo teu, é isso que fará o que és, é isso que faz o que tu és.
e o que tu és, é bom.
bjs