(11 meses depois ainda existes)
Descasco cebola para um refugado especial: o teu corpo cortado em lascas num tacho de aluminio ao lume.
Porque há coisas que dizemos através de palavras que podem ser assomadas de intensidade se à frente do nosso interlocutor cortarmos ossos de joelhos humanos a servir em prato principal num almoço de primeiro dia do ano.
Ontem à noite tive uma almofada na barriga e percebi que o ar entra e sai de mim sem consentimento:
a almofada
para cima
para baixo
- tenho o corpo alugado, só isso
para cima
para baixo
- e tenho pena do dia em que o tiver de deixar
para cima
para baixo
- debaixo da terra, mal protegido num caixão a ser devorado por bichinhos gulosos e viscosos cheios de fome: fome de mim
para cima
para baixo
Um dia morro porque o ar deixa de fazer almofadas na barriga subirem e descerem
-como o amor
para cima
para baixo
-como quando somos felizes e só queremos andar descalços a dançar nús pela casa
para cima
para baixo
E ai, percebo então que é possível que tenha morrido, e que, como tudo,
- primeiro estranha-se depois entranha-se
para cima
para baixo
Não sei como te dizer isto de outra forma:
não sei como te explicar que o teu carro
que aquele bosque onde o costumas parar para me fazer gritar
que tu que eu que o teu corpo que o meu que o teu prazer que o meu que a minha cama que nós os dois nela que tu despido que eu ali que as minhas alucinações que a tua barba por fazer que as minhas unhas a cravarem felizes as tuas costas que aquilo que és ai dentro onde tudo se parte que o que eu sou aqui onde tudo arde que a música argentina que sempre me pediu o corpo que o cigarro que pões nos lábios depois de me olhares e rires que o medo que me vive debaixo da pele que a tua infelicidade militante
já não constroem nada juntos,
- só destroem
e que, já não fazem parte do mesmo puzzle:
que existem centenas de peças sem encaixe e so agora me apercebo da falta delas ali.
1 comentário:
Para quando o romance?
Enviar um comentário