sexta-feira, outubro 29, 2004

How long till enlightenment...how much longer till you completly absolve me...

Todos. Todos Todos. Encostados numa parede: caras distintas numa fila de corpos recostados no branco- uma adulta á vossa frente, á frente dessa fila imensa de peles e odoros diferentes.

Ir.
- diz que me amas, diz que me amas
Ninguém diz nada e a essa adulta do sexo feminino crescem-lhe dois totós, uma mini-saia azul e duas meias escuras até ao joelho com sapato de verniz.
Ela é agora uma menina de quatro anos sozinha num orfanato público.

- diz que me amas, mano, diz que me amas
e ninguém diz nada. Saem-lhes frases dos olhos, de olhinhos que olham para si com o peso triste do vazio.

- diz que me amas, mãe, diz que me amas
e tu não dizes, apesar de eu te abanar com força
- diz que me amas, mãe, diz que me amas,
e a menina de quatro anos desata num pranto imenso
- diz que me amas, mamã, por favor diz que me amas.
Mas ela não diz.
A mamã nunca gostou de gente com os afectos mal resolvidos.

É um ritual estranho o de fazer malas, e escolher coisas.
Faço malas em cinco minutos
- treinei-me
e não levo fotos, não levo livros, não volto para o Natal.
As vidas novas escrevem-se assim: com muito pouco.

- diz que me amas, mana, diz que me amas
nada.

No fim dessa fila , está um menino loiro, de óculos.
Para ele ela sabe que não pode olhar.

Eternity is waiting....I guess I´ll be leaving.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Where to begin

(...This is a recording machine...
everything you´ll say here
can , and will be use against you in a court of law…

…This is a recording machine
Please leave your stupid message
And try not to take more than five seconds…

This is still a f**** recording machine
Speak only when the music is over (…)

As we speak, estás em Inglaterra e eu aqui.
A peça em palco e tu não vais estar no primeiro banco. Estás longe, num longe feito de chuva e de temperaturas baixas.

Sei que não voltas e me esperas.

Não sei se arranjaste casa, não sei se as pessoas te olham de lado, não sei se retribuis o olhar com aquele teu narizinho empinado que diz que tu não tens medo de nada e que mordes.
Não faço ideia se continuas com os teus poshismos, se mantens aquela forma de falar tão tua
- gesticulando mãos em acompanhamente simétrico com aquilo que te vai sair das cordas vocais
toda a forma como tocas os outros com estórias tuas: vivências que soubeste passar e que, inequivocamente, te tornaram um ser humano terrivelmente especial.

E eu tenho muitas saudades tuas.

Contabilizar tudo num somatório estranho e lembrar-me que sobra muito pouco para além duma secretaria grande, um computador, um quarto com roupa espalhada por todo o lado, maquilhagens, brincos, cds, livros, malas e sapatos, botas e sandálias, uma cama desfeita e fotos com olhinhos felizes que me pedem que fique.


Queria dizer-te que aprendi a fazer malas em cinco minutos: que aprendi a resumir afectos, aprendi que tenho um dedo certeiro para escolher amigas cabras, aprendi que não sou um ás em relações interpessoais; aprendi que preciso de poucas pessoas , quase como tu
- e tu nunca precisas de ninguém, sweet friend, tu nunca precisas de ninguém e eu sempre quis ser assim.

Espero o mail prometido em cada dia que passa
Um mail teu que te diga vivo, e me chame, ainda que eu não vá.


segunda-feira, outubro 18, 2004

You finish my sentences...I really think I love you

O ritual do alimento. O estrangular da comida na garganta depois de submetida ao sofrimento provocado pela tortura da mastigação, no sítio onde os dentes coabitam
- em sentido, cima das gengivas

e voltar atrás no tempo e lembrar-me que fomos já um cão na estrada, que tivemos reencontros com a poesia do amor.

Que te bati, que passámos horas a fio a falar ou a rir com os pés em cima dos estofos do teu carrinho precioso, horas e horas de sexo frenético onde o único objectivo estéril era o amor incondicional pelo corpo do outro, pelo prazer do outro, pelo som da felicidade do outro: mas que também voltámos aos gritos, ao desespero da almofada, ao tirem-me-disto-porque-doi-demasiado-e-ninguém-me-dá-uma-puta-duma-anestesia.

E eu sou a cinderela e isso muda qualquer visão triste da sombra dos dias.

Disseste isto a dormir na minha cama, no meu quartocastelo, quando tentei sacar-te informação da forma mais desonesta possível: enquanto dormias.
Falas a dormir. É fácil manipular-te no sono.
E pergunto-te no meio do monólogo que estavas a ter:

Tu : As pessoas são todas personagens.

Eu: são? Eu também? Que tipo de personagem eu sou?

Tu, numa inocência translúcida, eu na minha ansiedade perversa, pronta a acordar-te histérica após uma resposta tua que te apanhasse em falso na pureza do sono, dizes, baixo , a olhar para mim de olhos fechados
- tu és a Cinderela.

Uma frase destas, retirada da inocência dum sono, é garante de segurança a qualquer pessoa normal.
Para qualquer pessoa. Qualquer uma.

Resumo-nos carinhosamente ás montanhas russas chinesas: tocamos as nuvens, não temos cinto e o looping seguinte pode sempre matar-nos.


Morro de medo do dia em que te fartes e peças tranquilamente para sair.

terça-feira, outubro 12, 2004

Há bocados de mortos pelas paredes do quarto

São as bocas da branca noite
bocas que nos vem comer a todos
Com a doce certeza da morte
da morte sempre, eternamente Santa.

- Turn the lights on, please.


[Há homens a viajar no espaço sem protecção e ninguém lhes diz que vão morrer pela falta de oxigénio, pela pressão inexistente, por cometas aluados que andam de um lado para o outro na imensidão do espaço preto e quieto.
As cores escuras obrigam à passividade.]


Não me morras à noite nem amanhã de manhã.
Soube de tudo ontem quando me sentaram na mesa da cozinha, me fizeram uma festinha na cabeça e com uma agulha espetaram-na e plockkkk:
a bolha redonda foi-se e o mundo é a novidade.
Dizem-te doente: parece que vais ter de te esforçar para sair disso.

Recorrer aos melhores médicos
ás batas, aos oculozinhos, aos olhinhos de quem tudo sabe, ao poder arrogante de quem consegue recuperar respirações e fechar olhos e bocas abertas, de quem sabe colar artérias e fazer bebés nascer

- e quem faz isso não pode ser menos que especial
e vejo-me ter de te entregar nas mãos deles, desses que tudo sabem e podem ajudar-te,
desses a quem vou ter de pedir explicações sobre ti e sobre o que tens, desses que te vão tirar disso porque fazes falta a demasiada gente para morrer.

Não me apetece nada que morras, e pergunto-me, em tom solene, se alguma coisa aqui faz algum sentido uma vez que, no meio de tanta gente desnecessária, haverá a quem tudo isto devesse estar a acontecer.

Ensinaste-me a falar, a ajudaste-me a andar, fizeste-me juntar letras para conseguir ler.
Aprendi contigo a ser uma mulher bonita
- porque não existem mulheres feias, só mulheres desleixadas
que
- um porco pode vestir-se de rei, pode mesmo usar esmeraldas, pode ainda banhar-se de ouro que ainda assim será sempre um porco
que
- uma mulher não chora por homens
e, a frase das frases,
- uma mulher sem filhos é como um jardim sem flores.
A frase que me intimida e me faz temer a esterilidade. Silencio o temor pessoal para não me achares silly.

Alguma coisa me diz que és das duas únicas fêmeas do mundo a quem quero dar a mão numa sala de partos.

Recordo os teus namorados e a forma como me apaixonei pelos mais giros
- e sim, quase sempre tiveste bom gosto.
Recordo-me que houve dias em que te odiava quando manifestavas a tua autoridade sobre mim, ou dias em que simplesmente saber que existias me aumentava o acne e me causava stress.
Recordo-me que vestia os teus vestidos, os teus sapatos altos, e me achava a ti no espelho.Recordo a forma como sempre te adoptei como modelo.Recordo-me do choque quando descobri que não eras perfeita, a forma como descobri em ti que era possivel uma mulher reproduzir-se deixando alguém morar na barriga durante nove meses, e como tudo isso pode acontecer duma forma feliz: com orgasmos e sem cegonha.

Recordo que houve dias em que me controlaste numa situação com um simples olhar, dias em que nos ignorávamos por estupidez, dias em que fiz compras com o teu cartão de crédito quando estiveste de férias,
- sorry, but I really had fun.
Dias e dias em que a depressão histérica de um namorado mandado embora por insuficiencia emocional me fez regredir mentalmente, e tu eras a pessoa certa que ouvia barbaridades: limpava lágrimas e estabelecia coisas a cumprir.
- sempre parei de chorar quando mandavas.

As freiras, o colégio, os dias apertados na agenda: tu e a humanazinha enrugada que vi minutos depois de sair de ti sem gritos, e que hoje vejo feita numa menina curly cheia de graça
- a minha cara chapadinha
e á qual pergunto a tabuada, como fazias comigo.

2x1=2
2x2=4
2x3=6

Não há possibilidade de morreres porque és demasiado importante para as economias mundiais, porque és demasiado jovem, demasiado bonita.

Alguém me disse um dia que o universo constuma conspirar a favor das pessoas bonitas.


quarta-feira, outubro 06, 2004

Poem- A fruta da minha fruteira

Laranjas assassinas,
maçãs invejosas e bananas indispostas.

Figos ninfos, uvas raivosas,
Cerejas coradas, marmelos irritados,
pêras depressivas.


Morangos lascivos,
abóboras osteoporosas, framboesas infectadas.

Nozes desnudadas, mangas devassas
Papaias retardadas.



E assim é a minmha fruteira da cozinha.

sábado, outubro 02, 2004

Seven months and still no word from you

Passaram-se meses e continuas a fazer a falta de sempre.

A vulnerabilidade da tua morte leva-me à autobografia no blog e eu monto este cenário ridículo: tenho saudades tuas e não consigo verbaliza-lo duma forma mais racional.

Que tenho saudades dum morto, que me lembro do funeral, das caras das pessoas, do choro histérico na almofada para ninguém saber, o cheiro das flores, o padre a tentar consolar o inconsolável, o cemitério cheio de gente nova a falar de ti,
- e tu morto no caixão, sem dizeres nada a ninguém.
Devias estar bonito. Não olhei.

Costumam vestir os mortos com as roupas favoritas em vida, e tu sempre tiveste esse arzinho de betinho-pensador
- coisa rara nunca vista
e imagino-te assim: um puto frágil a experimentar a eternidade do sono.

Penso nas vezes em que não estivemos juntos por minha causa e autoflagelo-me.

As mãos tremem,o choro vem, e eu adormeço-me tendo pena daquela que vai deitando o corpo numa cama,e se mente, muitissímo: diz para ela em tom baixo que tudo vai ficar bem, e assim adormece.
Ficaria, de facto, se não tivesses morrido.Preciso culpar-te a ti e não perguntes porquê.

E ela. A que me deixaste.
Não sei se terás feito de propósito, se nos fizeste aproximar de caso pensado.
[Se nos tivéssemos conhecido quando eras vivo, seria assim? Senti-la-ia como uma irmã a proteger como sinto agora? ]
Teria sido muito diferente?Não faço ideia.


Ás vezes quando tomamos café, olho para ela e vejo-te a ti sinto-te a ti abraço-te a ti conto-te a ti tudo o que os ouvidos dela ouvem.

Levei-a ao meu café favorito e foi também a ti que levei, mas de imediato volto à realidade e percebo que não o posso fazer, que é a loucura
- aquela vozinha que sempre estrangulei
a realizar-se através das minhas cordas vocais.

Se o fizeste, se comandaste a situação do sítio onde agora estás, o que acharás tu de nós agora, sozinhas as duas, com uma vontade calada de irmos para o sítio onde estás .

E se o fizeste, de forma arquitectada, será que te faz feliz?