terça-feira, outubro 12, 2004

Há bocados de mortos pelas paredes do quarto

São as bocas da branca noite
bocas que nos vem comer a todos
Com a doce certeza da morte
da morte sempre, eternamente Santa.

- Turn the lights on, please.


[Há homens a viajar no espaço sem protecção e ninguém lhes diz que vão morrer pela falta de oxigénio, pela pressão inexistente, por cometas aluados que andam de um lado para o outro na imensidão do espaço preto e quieto.
As cores escuras obrigam à passividade.]


Não me morras à noite nem amanhã de manhã.
Soube de tudo ontem quando me sentaram na mesa da cozinha, me fizeram uma festinha na cabeça e com uma agulha espetaram-na e plockkkk:
a bolha redonda foi-se e o mundo é a novidade.
Dizem-te doente: parece que vais ter de te esforçar para sair disso.

Recorrer aos melhores médicos
ás batas, aos oculozinhos, aos olhinhos de quem tudo sabe, ao poder arrogante de quem consegue recuperar respirações e fechar olhos e bocas abertas, de quem sabe colar artérias e fazer bebés nascer

- e quem faz isso não pode ser menos que especial
e vejo-me ter de te entregar nas mãos deles, desses que tudo sabem e podem ajudar-te,
desses a quem vou ter de pedir explicações sobre ti e sobre o que tens, desses que te vão tirar disso porque fazes falta a demasiada gente para morrer.

Não me apetece nada que morras, e pergunto-me, em tom solene, se alguma coisa aqui faz algum sentido uma vez que, no meio de tanta gente desnecessária, haverá a quem tudo isto devesse estar a acontecer.

Ensinaste-me a falar, a ajudaste-me a andar, fizeste-me juntar letras para conseguir ler.
Aprendi contigo a ser uma mulher bonita
- porque não existem mulheres feias, só mulheres desleixadas
que
- um porco pode vestir-se de rei, pode mesmo usar esmeraldas, pode ainda banhar-se de ouro que ainda assim será sempre um porco
que
- uma mulher não chora por homens
e, a frase das frases,
- uma mulher sem filhos é como um jardim sem flores.
A frase que me intimida e me faz temer a esterilidade. Silencio o temor pessoal para não me achares silly.

Alguma coisa me diz que és das duas únicas fêmeas do mundo a quem quero dar a mão numa sala de partos.

Recordo os teus namorados e a forma como me apaixonei pelos mais giros
- e sim, quase sempre tiveste bom gosto.
Recordo-me que houve dias em que te odiava quando manifestavas a tua autoridade sobre mim, ou dias em que simplesmente saber que existias me aumentava o acne e me causava stress.
Recordo-me que vestia os teus vestidos, os teus sapatos altos, e me achava a ti no espelho.Recordo a forma como sempre te adoptei como modelo.Recordo-me do choque quando descobri que não eras perfeita, a forma como descobri em ti que era possivel uma mulher reproduzir-se deixando alguém morar na barriga durante nove meses, e como tudo isso pode acontecer duma forma feliz: com orgasmos e sem cegonha.

Recordo que houve dias em que me controlaste numa situação com um simples olhar, dias em que nos ignorávamos por estupidez, dias em que fiz compras com o teu cartão de crédito quando estiveste de férias,
- sorry, but I really had fun.
Dias e dias em que a depressão histérica de um namorado mandado embora por insuficiencia emocional me fez regredir mentalmente, e tu eras a pessoa certa que ouvia barbaridades: limpava lágrimas e estabelecia coisas a cumprir.
- sempre parei de chorar quando mandavas.

As freiras, o colégio, os dias apertados na agenda: tu e a humanazinha enrugada que vi minutos depois de sair de ti sem gritos, e que hoje vejo feita numa menina curly cheia de graça
- a minha cara chapadinha
e á qual pergunto a tabuada, como fazias comigo.

2x1=2
2x2=4
2x3=6

Não há possibilidade de morreres porque és demasiado importante para as economias mundiais, porque és demasiado jovem, demasiado bonita.

Alguém me disse um dia que o universo constuma conspirar a favor das pessoas bonitas.


2 comentários:

Anónimo disse...

Porra miuda:

so fazes porcaria....até te telefonar pensei que estavas morta e eu nao sabia...
ÁS vezes nao tens consciencia das merdas que fazes.

Sandra

Anónimo disse...

Rich is the soul of the lover heart

Perhaps, there´s always pieces of dead people around us.
Sometimes there´s not always a meanning to all it happens, but that is something we must accept and keep living...
Allways keep in mind about getting a litle free space for the "living people" in our lifes, and try to find the meanning about it...

Ghostdancer