Passaram-se meses e continuas a fazer a falta de sempre.
A vulnerabilidade da tua morte leva-me à autobografia no blog e eu monto este cenário ridículo: tenho saudades tuas e não consigo verbaliza-lo duma forma mais racional.
Que tenho saudades dum morto, que me lembro do funeral, das caras das pessoas, do choro histérico na almofada para ninguém saber, o cheiro das flores, o padre a tentar consolar o inconsolável, o cemitério cheio de gente nova a falar de ti,
- e tu morto no caixão, sem dizeres nada a ninguém.
Devias estar bonito. Não olhei.
Costumam vestir os mortos com as roupas favoritas em vida, e tu sempre tiveste esse arzinho de betinho-pensador
- coisa rara nunca vista
e imagino-te assim: um puto frágil a experimentar a eternidade do sono.
Penso nas vezes em que não estivemos juntos por minha causa e autoflagelo-me.
As mãos tremem,o choro vem, e eu adormeço-me tendo pena daquela que vai deitando o corpo numa cama,e se mente, muitissímo: diz para ela em tom baixo que tudo vai ficar bem, e assim adormece.
Ficaria, de facto, se não tivesses morrido.Preciso culpar-te a ti e não perguntes porquê.
E ela. A que me deixaste.
Não sei se terás feito de propósito, se nos fizeste aproximar de caso pensado.
[Se nos tivéssemos conhecido quando eras vivo, seria assim? Senti-la-ia como uma irmã a proteger como sinto agora? ]
Teria sido muito diferente?Não faço ideia.
Ás vezes quando tomamos café, olho para ela e vejo-te a ti sinto-te a ti abraço-te a ti conto-te a ti tudo o que os ouvidos dela ouvem.
Levei-a ao meu café favorito e foi também a ti que levei, mas de imediato volto à realidade e percebo que não o posso fazer, que é a loucura
- aquela vozinha que sempre estrangulei
a realizar-se através das minhas cordas vocais.
Se o fizeste, se comandaste a situação do sítio onde agora estás, o que acharás tu de nós agora, sozinhas as duas, com uma vontade calada de irmos para o sítio onde estás .
E se o fizeste, de forma arquitectada, será que te faz feliz?
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