A autobiografia que toda a gente pedia?
É uma madrugada estranha esta, que me seca os lábios e o corpo e me chama baixinho para me acordar.
Tenho vozes na cabeça, dizem coisas sem sentido..
Obedeço estranhamente , calada, estupidamente submissa, e desço ao imaginário
estranho de jardins e pessoas vivas e felizes fazendo tudo o que me está a ser ordenado pelos ditames da hipnosis.
Imagino sexo em cuba num hotelzinho de segunda,
- sexo em suores e cumplicidades com um charming man
imagino-me a fazer filhos no banco de trás dum carro
- e nunca me imaginei a encomendar rebentos de outra forma por muito mais estável e agradavelmente economica a minha vida se torne,
imagino a Kyoga, a Ericeira, Santa cruz quando pequena, o colégio, o riso feliz da minha sobrinha quando digo qualquer coisa idiota,
- e são tantas as idiotices que digo,
imagino pessoas próximas a quem roubo a alma em fotografias para nunca me puder esquecer-lhe os traços do rosto.
Imagino a dedicação da minha mãe a tentar descer uma febre insistente, a dedicação da minha irmã a ensinar-me a ler, e a ausência, também ela muito dedicada, dum irmão que vejo pouco,e a existência de um pai flácido que deixou um espermatozoide escapar-se,
- eu sempre fui escorregadia desde a mais tenra existência, que se foda
Imagino depois disto sucessivas idas às compras, um convite estranho de Monsieur Lobo Antunes para um gelado, um regresso à minha cama, aos meus segredos,
-esses que afinal são tantos,
imagino e relembro pecados pessoais saborosos, e por fim, o Paulo morto num caixão depois dum telefonema matinal que me matou.
Sweet Paulo.
Perdi naquela quarta-feira qualquer coisa que não consigo achar mais e começo a reparar em leituras sucessivas deste blog que me repito e insisto na morte dele.
Repito-me nele como me repito em corpos errados.
Obrigado, sweet Joanne, por me fazeres reparar nisso.
O Paulo derrepente fez Pufff e desapareceu num trágico acidente: o pior, se o há, é o facto dessa presença se manter ainda mesmo quando ele já não existe.
Qualquer coisa de horrível me leva até uma estação de comboios e me faz ver uma mulher de 22 anos a chorar compulsivamente depois dum encontro estranho num instituto de medicina legal, num hospital cor de rosa morto, atestar a realidade dum melhor amigo sem vida no corpo.
Este flashback assustador relembra-me ainda esta mulher perdida entre paredes e caminhos a pé, perdida entre um telemóvel incessante e um descontrole emocional terrível.
Devo este esclarecimento a leitores curiosos e devo-o a mim própria.
.
Não consigo imaginar menos aqui em cima. Aqui, onde tudo se passa.
Dava tudo para que nada daquilo que tivesse acontecido, dava tudo para pudermos repetir um Sudoeste juntos, dava tudo para não ter visto o desespero de toda a gente naquele funeral. A tua mãe. O teu pai. Os teus amigos. Tantas flores.
Passaram-se meses e a dor mantêm-se inexplicavelmente.
A Joana foi o pouco que deixaste para mim: espero mantê-la.
Dava tudo para te recuperar vivo,: dava tudo para te levantares do chão e irmos ao Sudoeste novamente.
Dava ainda mais para não ter passado o concerto de Beck com a cabeça na tua barriga, a pensar num idiota com quem perdi o meu tempo, para me ter dedicado a ti e ao tanto que devia morar ai dentro,
- e ainda mora, não mora?porque é verdade aquela estória de que somos muito mais que carne e sangue a correr em circulos debaixo de pele que rodeia ossos, não é Paulo?Não é?
É.
A música, aquela da Amelie Poulin, aquela da banda sonora que ninguém parece saber o nome, essa mesma, aquela que eu pûs a tocar no quarto, aquela que me assustou por achar que chama as pessoas como tu, pessoas que vivem agora do outro lado.
Como tu. Agora. Do outro lado.
Tu agoras moras do outro lado. Eu deste.
Sempre achei que se alguém que eu amasse muito morresse eu ia esfregar o chão com as unhas até o arracar do caixão.
Sempre achei que o faria mas não o fiz.
Cuida de mim, miúdo.
Nota da autora: Qualquer marca com a realidade não será mais do que pura coincidência.
1 comentário:
nao comento!
ass: um anónimo qq
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