Eu ia reescrever tudo como se passou
- duas mulheres e tu deitada na tua cama a chorar por elas juntas, por elas juntas no espaço que era vosso e sempre será
duas mulheres em pé de volta de uma terceira deitada numa nudez de dor, alcoolizada, num quarto escuro de sentidos que outrora existiu limpo de luz
- enquanto ninho de afectos, enquanto lugar de amor
mas elas vieram juntas, entraram e estragaram tudo.
Eu ia falar desta mulher semi despida que as duas acabaram por vestir e cuidar, porque é ela o elo de ligação daquilo que se vai passar depois disto, numa outra casa, num outro abrigo cósmico onde estas se encontram despidas e se fodem como quem fode por amor
- ia jurar-te que não é sexo nem amor aquilo que as une: és tu
elas não sabem:
e tu ali.
Ia jurar-te se me encontrasse no mesmo planeta que tu, na altura, que seria eu quem teria levado o vinho e o queijo.
Pegaríamos nas coisas dela e faríamos a cremação.
Eu abriria a cova, tu colocarias objecto por objecto despedindo-te de cada um com o mesmo carinho com que um dia os conheceste: abririamos depois espaço ao fogo purificador.
Não sei.
Não sei mas poderia antes obrigar-te a procurá-la, obrigar-te-ia a escrever no chão da estrada da casa dela um amo-te
- amo-te em letras verdes garrafais.
De qualquer forma não ia dizer isto.
Ia contar-te que sim, que gosto do edredon da cama dele, que gosto do desenho perfeito da boca dele enquanto ri, que há qualquer coisa no corpo dele que me hipnotiza sempre que os seus dedos me tocam a pele para me dizer olá.
Eu ia confessar isto:
que a possibilidade de sentir o já sentido é improvável, mas existe uma outra possibilidade que desconhecia, uam outra possibilidade que saía do alcance do meu entendimento, da minha perspectivazinha limitada
- o amor volta em dobro se permitires
e faz com que tudo pareça ter sentido.
quarta-feira, novembro 23, 2005
quarta-feira, novembro 16, 2005
ohhh superman
O Superman. O judge. O Mom and Dad. Mom and Dad.
Ohhh Superman.
O judge. O Mom and Dad. Mom and Dad. Hi. I'm not home right now. But if you want to leave a message, just start talking at the sound of the tone. Hello? This is your Mother. Are you there? Are you coming home? Hello? Is anybody home? Well, you don't know me, but I know you. And I've got a message to give to you. Here come the planes. So you better get ready. Ready to go. You can come as you are, but pay as you go. Pay as you go. And I said: OK. Who is this really? And the voice said: This is the hand, the hand that takes. This is the hand, the hand that takes. This is the hand, the hand that takes.
Here come the planes.
Não sei porquê mamã, mas não fiques triste.
Não consigo mais, não consigo mais ter histórias a morarem na minha cabeça enquanto apanho o metro e me lembro destas personagens que fazem vidas em cima da minha, que contam vidas em cima da minha, que me usam descaradamente para oxigénio lhes poder rasgar pulmões
- é alto, tem um sorriso perfeito e sinto cócegas na barriga quando ele vem
e eu submissa a dar-lhes tempo para se inventarem no meu quarto, para se inventarem na minha frente vivas, para me cobrirem de invejas porque elas têm o que eu nunca tive
- é alto com sorriso perfeito, sinto cócegas na barriga quando sei que ele vem e faz todo sentido acordar à noite e senti-lo na minha cama
(o que é o mistério da escrita, sabes?)
- é alto: o sorriso. Sinto as cócegas. Faz sentido ele deitado na minha cama, faz sentido amar-lhe dedos que fazem música nascer para os corpos dançarem
Os aviões mamã, aviões a dançarem com borboletas lá fora: borboletas que chegam a voar na impossibilidade de um 4 andar.
They're American planes. Made in America. Smoking or non-smoking? And the voice said: Neither snow nor rain nor gloom of night shall stay these couriers from the swift completion of their appointed rounds. 'Cause when love is gone, there's always justice. And when justice is gone, there's always force. And when force is gone, there's always Mom.
Hi Mom!
So hold me, Mom, in your long arms.
So hold me, Mom, in your long arms.
In your automatic arms.
- ele mamã, ele, o mágico que encanta corpos como serpentes, com música que lhe sai das pontas dos dedos
Não fiques triste mamã, voltei a escrever hoje. Foi hoje no metro. Vi-a a passar. Chama-se Helena e ama outra mulher.
Não sei como vou percebê-la se só sei amar corpos de homens:
- um em particular, um em particular que faz música, um em particular que me faz rir, um em particular que me leva a ver o mar e se preocupa se me esqueço das chaves em casa, um em particular com quem quero ir comprar pratos pretos japoneses
A Helena sentou-se ao meu lado no comboio e disse que voltava mais logo para me contar o resto.
Terei tempo.
Your electronic arms. In your arms.
So hold me, Mom, in your long arms. Your petrochemical arms. Your military arms. In your electronic arms.
- ele ? Talvez me ame.
Ohhh Superman.
O judge. O Mom and Dad. Mom and Dad. Hi. I'm not home right now. But if you want to leave a message, just start talking at the sound of the tone. Hello? This is your Mother. Are you there? Are you coming home? Hello? Is anybody home? Well, you don't know me, but I know you. And I've got a message to give to you. Here come the planes. So you better get ready. Ready to go. You can come as you are, but pay as you go. Pay as you go. And I said: OK. Who is this really? And the voice said: This is the hand, the hand that takes. This is the hand, the hand that takes. This is the hand, the hand that takes.
Here come the planes.
Não sei porquê mamã, mas não fiques triste.
Não consigo mais, não consigo mais ter histórias a morarem na minha cabeça enquanto apanho o metro e me lembro destas personagens que fazem vidas em cima da minha, que contam vidas em cima da minha, que me usam descaradamente para oxigénio lhes poder rasgar pulmões
- é alto, tem um sorriso perfeito e sinto cócegas na barriga quando ele vem
e eu submissa a dar-lhes tempo para se inventarem no meu quarto, para se inventarem na minha frente vivas, para me cobrirem de invejas porque elas têm o que eu nunca tive
- é alto com sorriso perfeito, sinto cócegas na barriga quando sei que ele vem e faz todo sentido acordar à noite e senti-lo na minha cama
(o que é o mistério da escrita, sabes?)
- é alto: o sorriso. Sinto as cócegas. Faz sentido ele deitado na minha cama, faz sentido amar-lhe dedos que fazem música nascer para os corpos dançarem
Os aviões mamã, aviões a dançarem com borboletas lá fora: borboletas que chegam a voar na impossibilidade de um 4 andar.
They're American planes. Made in America. Smoking or non-smoking? And the voice said: Neither snow nor rain nor gloom of night shall stay these couriers from the swift completion of their appointed rounds. 'Cause when love is gone, there's always justice. And when justice is gone, there's always force. And when force is gone, there's always Mom.
Hi Mom!
So hold me, Mom, in your long arms.
So hold me, Mom, in your long arms.
In your automatic arms.
- ele mamã, ele, o mágico que encanta corpos como serpentes, com música que lhe sai das pontas dos dedos
Não fiques triste mamã, voltei a escrever hoje. Foi hoje no metro. Vi-a a passar. Chama-se Helena e ama outra mulher.
Não sei como vou percebê-la se só sei amar corpos de homens:
- um em particular, um em particular que faz música, um em particular que me faz rir, um em particular que me leva a ver o mar e se preocupa se me esqueço das chaves em casa, um em particular com quem quero ir comprar pratos pretos japoneses
A Helena sentou-se ao meu lado no comboio e disse que voltava mais logo para me contar o resto.
Terei tempo.
Your electronic arms. In your arms.
So hold me, Mom, in your long arms. Your petrochemical arms. Your military arms. In your electronic arms.
- ele ? Talvez me ame.
terça-feira, julho 19, 2005
Ata-me
Queria dizer-te porque sofro, porque dói, mas tinha de me despir na tua frente, tinha de pôr-me nua na direcção dos teus olhos para que entendesses os meus porquês, os meus comos, nas vagas certezas dos meus quandos
- olha-me nua em cima da cama tua: sou a Pítia de Delfos bebêda, a boca pela qual Apolo se revela, a boca que se rasga sempre que o deus me viola na mostra do futuro a mortais sedentos de segurança no porvir
e tu não és imortal e fostes.
Queria confidenciar-te que faz toda a diferença o facto de haveres decidido morrer, haveres escolhido a porta da sala, o lençol, o descuido da limpeza da sala visível a quem te removeu o corpo:
decidiste morrer
(ele deixou-te quando o teu corpo e a tua alma ainda lhe sentiam a falta)
e os meus olhos brilham de lágrimas de orgulho por ter sido essa a causa do teu enforcamento:
amor
encontrado morto na sala por amor em enforcamento.
- olha-me nua, sou a Pítia de Delfos, a boca pela qual Apolo se revela, a boca que se rasga sempre que o deus me viola para mostrar futuros a mortais sedentos de segurança no porvir
e morreste.
Perdoa-me nunca ter comprado um livro na tua livraria depois de passar horas e horas a revistá-la, perdoa-me nunca mais ter parado para conversar contigo e com os teus dois olhos tristes de amor, perdoa-me o café por tomar, perdoa-me pela vitória do PSD nas últimas autarquicas, perdoa-me por aquele palhaço ter ficado na junta
4 votos apenas
(juro-te que os tiro de lá desta vez: desta vez sem ti)
e perdoa-me por ter esquecido na minha vida o amor pelo qual te mataste:
o amor que se torna justificação de fins e de meios, o amor pelo qual se come
se anda
se fode horas horas seguidas-seguintes,
horas felizes;
o amor, essa essência insana da existência humana cravada em nós desde a hora da concepção imaculada do milagre da vida:
tens toda a razão amado morto, a existência sem amor perde a funcionalidade e deixa de ter sentido
- Eu nua sou a Pítia de Delfos: a Pítia da boca rasgada pela voz do deus que se faz em mim para dar aos mortais o que pedem
Olha para mim rasgada a apontar a consequência fisiológica da tua morte:
todo o enforcado ejacula em post-mortem e tu vieste-te milésimos antes do suspiro final, como se ali escrevesses uma vingança ao teu Juliett vivo longe
no solitário prazer invejoso que tiraste na hora última do teu corpo condenado.
- Olha-me nua sou a Pítia violada e sacrificada pelos hexâmetros que os mortais me exigem da boca ensanguentada
dá-me tempo para acolher a tua morte e juntá-la a uma outra já curada.
Hoje apetecia-me apanhar borboletas sentada num parapeito dum 70º andar escorregadio, puxando-lhes asas em descuido.
- se havéis chegado aí, aí onde tudo é lírios e flores, mandai borboletas pretas à janela do meu quarto: dançaremos nus, juntos e felizes, à luz quente da lua morta.
- olha-me nua em cima da cama tua: sou a Pítia de Delfos bebêda, a boca pela qual Apolo se revela, a boca que se rasga sempre que o deus me viola na mostra do futuro a mortais sedentos de segurança no porvir
e tu não és imortal e fostes.
Queria confidenciar-te que faz toda a diferença o facto de haveres decidido morrer, haveres escolhido a porta da sala, o lençol, o descuido da limpeza da sala visível a quem te removeu o corpo:
decidiste morrer
(ele deixou-te quando o teu corpo e a tua alma ainda lhe sentiam a falta)
e os meus olhos brilham de lágrimas de orgulho por ter sido essa a causa do teu enforcamento:
amor
encontrado morto na sala por amor em enforcamento.
- olha-me nua, sou a Pítia de Delfos, a boca pela qual Apolo se revela, a boca que se rasga sempre que o deus me viola para mostrar futuros a mortais sedentos de segurança no porvir
e morreste.
Perdoa-me nunca ter comprado um livro na tua livraria depois de passar horas e horas a revistá-la, perdoa-me nunca mais ter parado para conversar contigo e com os teus dois olhos tristes de amor, perdoa-me o café por tomar, perdoa-me pela vitória do PSD nas últimas autarquicas, perdoa-me por aquele palhaço ter ficado na junta
4 votos apenas
(juro-te que os tiro de lá desta vez: desta vez sem ti)
e perdoa-me por ter esquecido na minha vida o amor pelo qual te mataste:
o amor que se torna justificação de fins e de meios, o amor pelo qual se come
se anda
se fode horas horas seguidas-seguintes,
horas felizes;
o amor, essa essência insana da existência humana cravada em nós desde a hora da concepção imaculada do milagre da vida:
tens toda a razão amado morto, a existência sem amor perde a funcionalidade e deixa de ter sentido
- Eu nua sou a Pítia de Delfos: a Pítia da boca rasgada pela voz do deus que se faz em mim para dar aos mortais o que pedem
Olha para mim rasgada a apontar a consequência fisiológica da tua morte:
todo o enforcado ejacula em post-mortem e tu vieste-te milésimos antes do suspiro final, como se ali escrevesses uma vingança ao teu Juliett vivo longe
no solitário prazer invejoso que tiraste na hora última do teu corpo condenado.
- Olha-me nua sou a Pítia violada e sacrificada pelos hexâmetros que os mortais me exigem da boca ensanguentada
dá-me tempo para acolher a tua morte e juntá-la a uma outra já curada.
Hoje apetecia-me apanhar borboletas sentada num parapeito dum 70º andar escorregadio, puxando-lhes asas em descuido.
- se havéis chegado aí, aí onde tudo é lírios e flores, mandai borboletas pretas à janela do meu quarto: dançaremos nus, juntos e felizes, à luz quente da lua morta.
domingo, julho 10, 2005
Keep this
A minha família
na minha família somos três, ou melhor três e meio porque a mamã está grávida e eu vou ter o meu primeiro irmão daqui a dois meses.
eu não sei o que escrever na composição que a professora mandou fazer porque é o meu pai que me ajuda nos deveres mas ele hoje foi por música a uma bar e a mamã está a fazer o jantar na cozinha e diz só poder ajudar-me cinco minutos.
a mamã escreve coisas, dá aulas e tratada de mim e da barriga dela que agora parece uma melancia.
ela conheceu o meu pai numa discoteca chamada Lux e diz que já nesse altura já sabia que ele tinha mau feitio.
ela contou-me que a parte dessa discoteca que ela preferia era o estacionamento porque foi ai que o papá a beijou pela primeira vez quando ele tinha um micra vermelho, num tempo em que a mamã usava um só brinco, mini saias muito curtas e a minha avó marcava horas para ela chegar a casa.
o meu pai diz que gostou dela assim que a viu entrar zangada no carro dele por ele ter chegado tarde.
eu acho que eles gostam muito um do outro porque na semana passada eu entrei na cozinha e eles estavam abraçados a dançar descalços sem música como se a aparelhagem estivesse ligada.
às vezes o meu pai passa pela minha mãe morde-lhe o rabo e chama-lhe amor.
aos sábados à noite o meu pai deixa-me na minha avó e só me vem buscar para irmos todos almoçar fora no domingo:
eu perguntei à minha avó porque é que eles queriam ficar sozinhos tanto tempo e ela disse-me que era para namorarem.
pergunto-me porque motivo não podemos namorar os três como fazemos aos sábados de manhã quando eu vou para a cama deles e o meu pai me morde a barriga para me fazer rir.
o papá gosta da minha avó mas ela plantou coisas no nosso quintal e o papá tem de regá-las aos sábados e diz que não tinha nada de regar as coisas que ele não planta.
no fim-de-semana veio a tia Zuleika do Algarve para nos apresentar o 26ª namorado definitivo.
a minha mãe disse que ele era giro e eu também achei mas acho que o papá é o mais giro dos 26 e a mamã disse que era normal, que eram as teorias de Freud a funcionar em mim e eu não percebi nada.
O meu quarto é cor-de-rosa e a minha mãe pintou uma lua amarela no tecto para eu ter sonhos lá na lua:
à noite a mamã vem sempre à minha cama às escuras e eu finjo sempre que durmo, e ela dá-me um beijinho puxa a roupa e diz ao ouvido que me ama mesmo achando que eu durmo.
ontem à tarde estavamos a vir da minha escola e eu perguntei-lhe se ela sabia que eu também a amava porque eu nunca tinha ido ao quarto dela puxar-lhe a roupa beijá-la e dizer-lhe ao ouvido que a amava quando ela dorme:
eu não sei se ela dorme ou finge que dorme como eu.
a minha mãe parou o carro de repente e abraçou-me.
eu assutei-me e os carros atrás do nosso apitaram e ela disse que eu podia dizer-lhe que a amava a toda a hora porque dizermos ás pessoas que as amamos faz o nosso coração ficar grande e bonito e a minha mãe diz coisas estranhas às vezes mas eu tenho medo que o meu coração seja como o chupa de morango que eu estou a comer antes do jantar sem autorização:
será que quando amamos muito alguém sobra mais alguma coisa para outra pessoa?
eu amo o João António da 5 ª classe, fiz-lhe o desenho do meu coração a vermelho e dei-lho mas ele diz que eu sou uma miúda pequena e eu senti-me tão mal que fingi desmaiar só para o ver aos meus pés preocupado.
a minha mãe foi à escola buscar-me e eu contei-lhe tudo quando ainda estava deitada no gabinete de enfermagem e ela disse-me que às vezes acontece darmos o nosso coração às pessoas erradas
(ela disse-me que todos os homens são uns cães e eu pensei que espécie de cão o papá seria)
mas que haverá um dia em que alguém vai querer o meu coração de verdade e eu vou ser tão feliz como ela é com o papá e quando ela me disse que havia mousse de chocolate para o jantar eu senti-me logo melhor para ir para casa.
Ela riu-se e disse-me ao ouvido que achava que eu ia ser uma óptima actriz daqui a 15 anos mas não sei se ela tem razão nisso porque eu sempre quis mesmo ser uma boa veterinária.
na minha família somos três, ou melhor três e meio porque a mamã está grávida e eu vou ter o meu primeiro irmão daqui a dois meses.
eu não sei o que escrever na composição que a professora mandou fazer porque é o meu pai que me ajuda nos deveres mas ele hoje foi por música a uma bar e a mamã está a fazer o jantar na cozinha e diz só poder ajudar-me cinco minutos.
a mamã escreve coisas, dá aulas e tratada de mim e da barriga dela que agora parece uma melancia.
ela conheceu o meu pai numa discoteca chamada Lux e diz que já nesse altura já sabia que ele tinha mau feitio.
ela contou-me que a parte dessa discoteca que ela preferia era o estacionamento porque foi ai que o papá a beijou pela primeira vez quando ele tinha um micra vermelho, num tempo em que a mamã usava um só brinco, mini saias muito curtas e a minha avó marcava horas para ela chegar a casa.
o meu pai diz que gostou dela assim que a viu entrar zangada no carro dele por ele ter chegado tarde.
eu acho que eles gostam muito um do outro porque na semana passada eu entrei na cozinha e eles estavam abraçados a dançar descalços sem música como se a aparelhagem estivesse ligada.
às vezes o meu pai passa pela minha mãe morde-lhe o rabo e chama-lhe amor.
aos sábados à noite o meu pai deixa-me na minha avó e só me vem buscar para irmos todos almoçar fora no domingo:
eu perguntei à minha avó porque é que eles queriam ficar sozinhos tanto tempo e ela disse-me que era para namorarem.
pergunto-me porque motivo não podemos namorar os três como fazemos aos sábados de manhã quando eu vou para a cama deles e o meu pai me morde a barriga para me fazer rir.
o papá gosta da minha avó mas ela plantou coisas no nosso quintal e o papá tem de regá-las aos sábados e diz que não tinha nada de regar as coisas que ele não planta.
no fim-de-semana veio a tia Zuleika do Algarve para nos apresentar o 26ª namorado definitivo.
a minha mãe disse que ele era giro e eu também achei mas acho que o papá é o mais giro dos 26 e a mamã disse que era normal, que eram as teorias de Freud a funcionar em mim e eu não percebi nada.
O meu quarto é cor-de-rosa e a minha mãe pintou uma lua amarela no tecto para eu ter sonhos lá na lua:
à noite a mamã vem sempre à minha cama às escuras e eu finjo sempre que durmo, e ela dá-me um beijinho puxa a roupa e diz ao ouvido que me ama mesmo achando que eu durmo.
ontem à tarde estavamos a vir da minha escola e eu perguntei-lhe se ela sabia que eu também a amava porque eu nunca tinha ido ao quarto dela puxar-lhe a roupa beijá-la e dizer-lhe ao ouvido que a amava quando ela dorme:
eu não sei se ela dorme ou finge que dorme como eu.
a minha mãe parou o carro de repente e abraçou-me.
eu assutei-me e os carros atrás do nosso apitaram e ela disse que eu podia dizer-lhe que a amava a toda a hora porque dizermos ás pessoas que as amamos faz o nosso coração ficar grande e bonito e a minha mãe diz coisas estranhas às vezes mas eu tenho medo que o meu coração seja como o chupa de morango que eu estou a comer antes do jantar sem autorização:
será que quando amamos muito alguém sobra mais alguma coisa para outra pessoa?
eu amo o João António da 5 ª classe, fiz-lhe o desenho do meu coração a vermelho e dei-lho mas ele diz que eu sou uma miúda pequena e eu senti-me tão mal que fingi desmaiar só para o ver aos meus pés preocupado.
a minha mãe foi à escola buscar-me e eu contei-lhe tudo quando ainda estava deitada no gabinete de enfermagem e ela disse-me que às vezes acontece darmos o nosso coração às pessoas erradas
(ela disse-me que todos os homens são uns cães e eu pensei que espécie de cão o papá seria)
mas que haverá um dia em que alguém vai querer o meu coração de verdade e eu vou ser tão feliz como ela é com o papá e quando ela me disse que havia mousse de chocolate para o jantar eu senti-me logo melhor para ir para casa.
Ela riu-se e disse-me ao ouvido que achava que eu ia ser uma óptima actriz daqui a 15 anos mas não sei se ela tem razão nisso porque eu sempre quis mesmo ser uma boa veterinária.
sábado, julho 02, 2005
can we?
Há uma vela em cima da mesa e eu sei lembrar-me de ti pelo tamanho amarelo daquilo que se fez lume nela
- eu a por uma lata de cerveja num parapeito, a três milimetros da possibilidade de um chão rijo de pedra lá em baixo
(sabias que eu ..)
Tu na minha frente, estranho e longe
eu na tua frente a querer chegar a ti sem saber se me querias perto
- touch me, can you?
E queria deitar-me onde estás agora, invejo-te na suavidade do chão pela quentura estranha que me foi dado ao corpo no pouco que bebi
(tu agora à minha direita, tu agora a um passo de mim)
- estavas bonito a cozinhar
mas o meu corpo levanta-se e vai. Recusa-se à continuidade da possibilidade da tua existência em mim
- não sei porquê tu, não sei porquê agora, não sei se sentes dentro de ti isto que eu sinto dentro de mim, não sei se sabes, não sei se queres saber
e o meu corpo levanta-se e saí.
É a minha boca que se despede de ti por nós e cola-te um beijo estranho, inexplicado
- fui eu que to dei ou foi a minha boca?
Tens alguma coisa presa nos lábios como eu?
- a kiss
São agora os meus sapatos que saem da porta e pedem-te
-eles suplicam-te
não deixes os teus dois pés cair lá em baixo.
- eu a por uma lata de cerveja num parapeito, a três milimetros da possibilidade de um chão rijo de pedra lá em baixo
(sabias que eu ..)
Tu na minha frente, estranho e longe
eu na tua frente a querer chegar a ti sem saber se me querias perto
- touch me, can you?
E queria deitar-me onde estás agora, invejo-te na suavidade do chão pela quentura estranha que me foi dado ao corpo no pouco que bebi
(tu agora à minha direita, tu agora a um passo de mim)
- estavas bonito a cozinhar
mas o meu corpo levanta-se e vai. Recusa-se à continuidade da possibilidade da tua existência em mim
- não sei porquê tu, não sei porquê agora, não sei se sentes dentro de ti isto que eu sinto dentro de mim, não sei se sabes, não sei se queres saber
e o meu corpo levanta-se e saí.
É a minha boca que se despede de ti por nós e cola-te um beijo estranho, inexplicado
- fui eu que to dei ou foi a minha boca?
Tens alguma coisa presa nos lábios como eu?
- a kiss
São agora os meus sapatos que saem da porta e pedem-te
-eles suplicam-te
não deixes os teus dois pés cair lá em baixo.
terça-feira, junho 28, 2005
Martini till the end
Queria dizer ao teu corpo
- olá
porque a cama onde estamos deitados foi partida por nós:
por nós vestidos
- nós ali no chão, nós ali na janela, nós ali na cozinha, nós lá em baixo na escuridão da noite Lisboeta que se declara na calçada
nas pessoas, nos cheiros dos poemas da noite da cidade que é nossa
e eu e tu deitados numa cama emprestada e podre, a sentirmos coisas diferentes a pensar as coisas diferentes que ardem dentro
- não te conheço mas gosto de ti: podes olhar para mim aqui?
e tu resolveste olhar para o tecto em vez de olhares para mim.
Apetecia-me ser uma aranha no tecto: acenar-te-ia com a pata preta esquerda e gritar-te-ia
- aquece-me
aposto que te acharias louco.
- dizem que eu enlouqueço as pessoas, sabes?
Não acredites, sim?juro-te que é mentira, juro-te que não estão bocados de mim aqui em cima desta cama partida onde estamos deitados, juro-te que não há bocados de mim a escorrer por esta parede branca de cal,
porque juro, juro-te, juro-te que me portei bem
que a faca da cozinha
que eu e a faca da cozinha
nós as duas: eu a faca de cozinha
e os meus pulsos
ás vezes
encontramo-nos e fazemos desenhos na carne
(desenhos bonitos, juro)
juro-te, olha para mim, juro-te, deixa a parede e olha-me
zangamo-nos e já não somos amigas: eu e a faca da cozinha já não brincamos mais quando a mamã se deita depois da novela.
Queria perguntar-te coisas sobre ti mas tenho os pés frios. Queria saber de ti
- queria que soubesses de mim
porque a tua timidez guarda lugares que me apetecia conhecer
- deixas-me entrar?
e queria dizer-te que te acho bonito, que notei em ti vestigios de uma barba a rasgar-te a pele:
a pele escondida a desenhar um queixo que não pede geometria.
Não usas perfume. Não sinto odores que te definam, e olho-te carinhosa em soslaios possivéis.
- seriamos irmãos ou amantes?
Ignoras-me deitada ao teu lado
- e se eu me deitasse aqui nua, ou se me cortasse à tua frente?
talvez tivesses pena de mim
(promete-me que nunca vais sentir pena de mim)
juro-te que não fiz nada, juro-te que
e dás os teus olhos, em continuidade, ao tecto branco acima de nós como se nele houvesse qualquer coisa que em mim não há. Queria te dizer que me dói
- dói-me cá dentro, sabes?
e queria mostrar-te onde e porquê.
O tempo invade a nossa intimidade de estranhos e o relógio da cozinha dá voltas.
Queria que nos visses agora
- olha para nós ali, por favor estamos de lado a olhar a parede erguida à nossa frente e um silêncio reza entre nós.
Parecemos estranhos. Somos estranhos. Não sei nada de ti. Não sabes nada de mim.
A minha mão quer dizer olá á tua
- olá mão
mas não tem coragem de lhe chegar perto.
Não queria despir-me para ti , perdoa-me
(estraga sempre tudo, sabes?)
- davas-me colo se eu pedisse?
Não pises as minhas patas peludas, por favor.
Sou apenas uma aranha preta de calças de ganga com os pés frios.
- olá
porque a cama onde estamos deitados foi partida por nós:
por nós vestidos
- nós ali no chão, nós ali na janela, nós ali na cozinha, nós lá em baixo na escuridão da noite Lisboeta que se declara na calçada
nas pessoas, nos cheiros dos poemas da noite da cidade que é nossa
e eu e tu deitados numa cama emprestada e podre, a sentirmos coisas diferentes a pensar as coisas diferentes que ardem dentro
- não te conheço mas gosto de ti: podes olhar para mim aqui?
e tu resolveste olhar para o tecto em vez de olhares para mim.
Apetecia-me ser uma aranha no tecto: acenar-te-ia com a pata preta esquerda e gritar-te-ia
- aquece-me
aposto que te acharias louco.
- dizem que eu enlouqueço as pessoas, sabes?
Não acredites, sim?juro-te que é mentira, juro-te que não estão bocados de mim aqui em cima desta cama partida onde estamos deitados, juro-te que não há bocados de mim a escorrer por esta parede branca de cal,
porque juro, juro-te, juro-te que me portei bem
que a faca da cozinha
que eu e a faca da cozinha
nós as duas: eu a faca de cozinha
e os meus pulsos
ás vezes
encontramo-nos e fazemos desenhos na carne
(desenhos bonitos, juro)
juro-te, olha para mim, juro-te, deixa a parede e olha-me
zangamo-nos e já não somos amigas: eu e a faca da cozinha já não brincamos mais quando a mamã se deita depois da novela.
Queria perguntar-te coisas sobre ti mas tenho os pés frios. Queria saber de ti
- queria que soubesses de mim
porque a tua timidez guarda lugares que me apetecia conhecer
- deixas-me entrar?
e queria dizer-te que te acho bonito, que notei em ti vestigios de uma barba a rasgar-te a pele:
a pele escondida a desenhar um queixo que não pede geometria.
Não usas perfume. Não sinto odores que te definam, e olho-te carinhosa em soslaios possivéis.
- seriamos irmãos ou amantes?
Ignoras-me deitada ao teu lado
- e se eu me deitasse aqui nua, ou se me cortasse à tua frente?
talvez tivesses pena de mim
(promete-me que nunca vais sentir pena de mim)
juro-te que não fiz nada, juro-te que
e dás os teus olhos, em continuidade, ao tecto branco acima de nós como se nele houvesse qualquer coisa que em mim não há. Queria te dizer que me dói
- dói-me cá dentro, sabes?
e queria mostrar-te onde e porquê.
O tempo invade a nossa intimidade de estranhos e o relógio da cozinha dá voltas.
Queria que nos visses agora
- olha para nós ali, por favor estamos de lado a olhar a parede erguida à nossa frente e um silêncio reza entre nós.
Parecemos estranhos. Somos estranhos. Não sei nada de ti. Não sabes nada de mim.
A minha mão quer dizer olá á tua
- olá mão
mas não tem coragem de lhe chegar perto.
Não queria despir-me para ti , perdoa-me
(estraga sempre tudo, sabes?)
- davas-me colo se eu pedisse?
Não pises as minhas patas peludas, por favor.
Sou apenas uma aranha preta de calças de ganga com os pés frios.
sexta-feira, junho 24, 2005
E se te despisses?
Perdida por seis horas na savana africana, a saber falar pouco Shangana, a saber falar pouco português
- a língua havia enferrujado e não sabia formar vogais palatais.
Policia, congregações. Gente à procura de um corpo por todo o lado.
Eu e esse corpo ali, juntos, entre as estrelas e o cheiro da noite quente
a pedir à terra para entrar nela:
eu e o meu corpo achados num não-retorno, a pedir baixinho ao céu afrivcano para me tirar dali.
E depois disso, depois de ter tomado banho e ter comido,deitada na cama horas mais tarde:
lembrei-me daquele bebé com a mãe na igreja ao meu lado.
Ele e ela.
Ele a reclamar a legitimidade de lhe desapertar a blusa azul em território sagrado no desejo de por à boca uma mama imensa, um seio rijo de leite grosso branco.
Ela a saber aceitar-lhe a boca como parte do seu corpo.
Lembrei-me deles e de mim. Da inveja que senti da solenidade daquilo que se passava ali ao meu lado, da intimidade daqueles dois, da religiosidade do momento:
ela a aconchegá-lo sem o notar
ele a dormir farto de boca colada ao bico do peito negro dela deprezando saciado o veio de leite anónimo que se esgueirava pelo canto da sua boca pequena bem desenhada.
Queria ser ela e queria que ele fosse meu.
Eu.Ele, ela e a ventoinha do meu quarto.
Deixei de olhar a ventoinha do tecto, empurrei os cobertores para baixo e despi-me.
Dormi aninhada no meu corpo e prometi-lhe que no dia seguinte
- eu jurei-lhe que no dia seguinte
iamos dançar os dois lá fora ao sol, em nudez exposta, no jardim onde as flores falam e a lua ri.
Is it just me or is it cold in here?
Excerto de uma conversa num recém inaugurado parque infantil nos arredores de Maputo, entre uma fêmea adulta branca num baloiço vermelho e uma fêmea negra a fazer-se num baloiço verde.
F.A.F- Porque é que está toda a gente a dizer que vais embora?
F.A- Tenho de voltar, baixinha. Voltar para a minha mamã.
F.A.F- Tens mamã?
F.A.- Tenho. E tenho uma cadela.
( tenho mamã sim, uma sexagenária cheia de graça)
F.A.F.- Tens um cão?
F.A.- Tenho. É para acabar o curso, sabes?
(para o acabar.....para deixar de pensar que ando com ele preso na garganta)
F.A.F- Mas a tua casa é longe, não é?
F.A.- Um bocado. Vais de avião.
(Demasiado longe, sabes? Demasiado longe.)
F.A.F- Não quero que vás.
F.A.- sorri, baixa os olhos.
(Não queria ir, sabes? Acho que vão ter de me empurrar para entrar naquele avião amanhã)
F.A.F- Podes levar-me?
F.A.- Quando estiver lá hei-de mandar-te muitas coisas, sabes?...vou mandar coisas para ti.
F.A.F.- Não me vais levar?
F.A.- Vou mandar vir roupa, chocolates, treme-treme vermelho...
F.A.F.- Eu não tenho mamã...posso ir contigo se me levares...
F.A- Queres o quê? Pede-me tudo o que quiseres que eu mando
F.A.F.- Já não gostas de mim?
F.A.- Vou gostar sempre muito de ti....daqui até lá acima...
(amo-te muito, sabes? Tenho mesmo de ir, sabes? Promete-me que não choras quando eu for, promete...)
F.A.F- E se disseres á tua mamã que já não vais?
F.A- Se soubesses como ela é....vinha-me buscar...
F.A.F- E se lhe dissesses que me vais levar?
F.A.- Não queres escorrega?...queres escorrega ou upa?
(ela ia apaixonar-se por ti como eu me apaixonei)
F.A.F.- Quero ir para tua casa quando tu fores.
F.A.- E eu quero nenêcar-te...anda cá baixinha, dá bá....
A fêmea adulta branca nenêcou a fêmea negra a fazer-se...
Dizem que foram felizes para sempre.
- a língua havia enferrujado e não sabia formar vogais palatais.
Policia, congregações. Gente à procura de um corpo por todo o lado.
Eu e esse corpo ali, juntos, entre as estrelas e o cheiro da noite quente
a pedir à terra para entrar nela:
eu e o meu corpo achados num não-retorno, a pedir baixinho ao céu afrivcano para me tirar dali.
E depois disso, depois de ter tomado banho e ter comido,deitada na cama horas mais tarde:
lembrei-me daquele bebé com a mãe na igreja ao meu lado.
Ele e ela.
Ele a reclamar a legitimidade de lhe desapertar a blusa azul em território sagrado no desejo de por à boca uma mama imensa, um seio rijo de leite grosso branco.
Ela a saber aceitar-lhe a boca como parte do seu corpo.
Lembrei-me deles e de mim. Da inveja que senti da solenidade daquilo que se passava ali ao meu lado, da intimidade daqueles dois, da religiosidade do momento:
ela a aconchegá-lo sem o notar
ele a dormir farto de boca colada ao bico do peito negro dela deprezando saciado o veio de leite anónimo que se esgueirava pelo canto da sua boca pequena bem desenhada.
Queria ser ela e queria que ele fosse meu.
Eu.Ele, ela e a ventoinha do meu quarto.
Deixei de olhar a ventoinha do tecto, empurrei os cobertores para baixo e despi-me.
Dormi aninhada no meu corpo e prometi-lhe que no dia seguinte
- eu jurei-lhe que no dia seguinte
iamos dançar os dois lá fora ao sol, em nudez exposta, no jardim onde as flores falam e a lua ri.
Is it just me or is it cold in here?
Excerto de uma conversa num recém inaugurado parque infantil nos arredores de Maputo, entre uma fêmea adulta branca num baloiço vermelho e uma fêmea negra a fazer-se num baloiço verde.
F.A.F- Porque é que está toda a gente a dizer que vais embora?
F.A- Tenho de voltar, baixinha. Voltar para a minha mamã.
F.A.F- Tens mamã?
F.A.- Tenho. E tenho uma cadela.
( tenho mamã sim, uma sexagenária cheia de graça)
F.A.F.- Tens um cão?
F.A.- Tenho. É para acabar o curso, sabes?
(para o acabar.....para deixar de pensar que ando com ele preso na garganta)
F.A.F- Mas a tua casa é longe, não é?
F.A.- Um bocado. Vais de avião.
(Demasiado longe, sabes? Demasiado longe.)
F.A.F- Não quero que vás.
F.A.- sorri, baixa os olhos.
(Não queria ir, sabes? Acho que vão ter de me empurrar para entrar naquele avião amanhã)
F.A.F- Podes levar-me?
F.A.- Quando estiver lá hei-de mandar-te muitas coisas, sabes?...vou mandar coisas para ti.
F.A.F.- Não me vais levar?
F.A.- Vou mandar vir roupa, chocolates, treme-treme vermelho...
F.A.F.- Eu não tenho mamã...posso ir contigo se me levares...
F.A- Queres o quê? Pede-me tudo o que quiseres que eu mando
F.A.F.- Já não gostas de mim?
F.A.- Vou gostar sempre muito de ti....daqui até lá acima...
(amo-te muito, sabes? Tenho mesmo de ir, sabes? Promete-me que não choras quando eu for, promete...)
F.A.F- E se disseres á tua mamã que já não vais?
F.A- Se soubesses como ela é....vinha-me buscar...
F.A.F- E se lhe dissesses que me vais levar?
F.A.- Não queres escorrega?...queres escorrega ou upa?
(ela ia apaixonar-se por ti como eu me apaixonei)
F.A.F.- Quero ir para tua casa quando tu fores.
F.A.- E eu quero nenêcar-te...anda cá baixinha, dá bá....
A fêmea adulta branca nenêcou a fêmea negra a fazer-se...
Dizem que foram felizes para sempre.
sábado, junho 18, 2005
Sweet Daddy,
Ontem quando me ia deitar tentei lembrar-me de ti mas não consegui.
O teu rosto não me surgiu nítido, memorizei certas rugas perto dos olhos,
um queixo similar ao meu, um tom de olhos diferente dos meus castanhos.
Esforçei-me mas não consegui mais do que isto:
Lembro-me que és pequeno
(homem pequeno, velhaco ou dançarino)
e que não sabes dançar.
Não sei porque me lembro tão pouco de ti.
Recordo que não estavas entre os espectadores quando me vesti de Casa dos Bicos
(entre uma Torre Eiffel russa que coçava o rabo e uma Tower Bridge que me beliscava nas deixas)
e lembro-me que não te vi no meu primeiro dia de aulas.
Lembro-me que não exististe para me ir buscar ao colégio nos dias de ir ao médico
(a minha mãe sempre a correr, sempre lá)
e lembro-me que nunca me deste a mão no percurso difícil
- sala--casa-de-banho/casa-de-banho--saladepois da vontade de fazer xixi se ter tornado insuportável.
Lembro-me que era a minha mãe sempre.
Lembro-me de ser a mão dela a segurar a minha desde aquele dia
aquele dia da maca
das batas à minha volta para me agarrar
(a punçãozinha, recordas?)
O dia da punção, da dor da agulha a entrar em mim com dois anos
a dor a que não foste capaz de assistir por mal-estar: a tua fuga cobarde da sala por não conseguires suportar o cheiro forte do amoníaco hospitalar
(ou o cheiro forte da minha dor, o cheiro forte dos meus gritos que te davam náuseas e vómitos, que te deixavam indisposto?)
-minha senhora, não existe dor mais forte do que a de uma agulha a entrar-nos na coluna: é melhor que fique o pai ou a mãe
e a minha mae ali ao meu lado, a agarrar-me o corpo ouvindo-me os gritos de olhos rasos de água entalada: a colocar-me a mão no rosto molhado.
As mãos quentes dela em mim a pôr-me no seu colo depois de uma seringa de líquido amarelo ser colocada num tubo, depois de eu ter deixado de chorar exausta e suada num sono cansado e magoado dormido entre soluços sentidos, depois de eu entender que o colo que me havia entregue aos médicos maus era o único que me completava o corpo pequeno.
De ti nem sombra: só o vazio que sempre soubeste encher.
Não me lembro de ti quando tive sarampo ou febre. Lembro-me de ti apenas em curtos flashes.
Lembro-me de fugir de ti na creche quando aparecias sem a minha mãe saber,
na hora do iogurte
e eu levava-me
a mim
a ele
e à colher
de gatas por baixo das mesas pequeninas do refeitório até à lavandaria onde comia escondida e silenciosa enquanto vos ouvia à minha procura
(o iogurte sabia a desinfectante, tinha de impedir o espirro que me nascia no nariz pelo cheiro do sabão, mas sempre acreditei que tudo era melhor a ir contigo)
Curiosamente é a tua imagem que me surge limpa em duas situações:
quando recordo a causa do meu pavor do escuro do breu
(deixaste-me sozinha fechada num quarto de uma roulotte com quatro anos de idade, quando juraste que ias telefonar à minha mãe para ela me vir buscar, com te havia pedido assim que percebi o meu pijama em cima do sofá: adormeci de vestido vermelho, completamente rouca de tanto ter gritado trancada)
e lembro-me de ti melhor ainda, sempre que oiço o meu relógio biológico a fazer
tic-tac
tic-tac
e penso nos dez filhos que quero ter ao lado da figura masculina necessária:
o medo de errar impede-me de acertar.
O teu rosto não me surgiu nítido, memorizei certas rugas perto dos olhos,
um queixo similar ao meu, um tom de olhos diferente dos meus castanhos.
Esforçei-me mas não consegui mais do que isto:
Lembro-me que és pequeno
(homem pequeno, velhaco ou dançarino)
e que não sabes dançar.
Não sei porque me lembro tão pouco de ti.
Recordo que não estavas entre os espectadores quando me vesti de Casa dos Bicos
(entre uma Torre Eiffel russa que coçava o rabo e uma Tower Bridge que me beliscava nas deixas)
e lembro-me que não te vi no meu primeiro dia de aulas.
Lembro-me que não exististe para me ir buscar ao colégio nos dias de ir ao médico
(a minha mãe sempre a correr, sempre lá)
e lembro-me que nunca me deste a mão no percurso difícil
- sala--casa-de-banho/casa-de-banho--saladepois da vontade de fazer xixi se ter tornado insuportável.
Lembro-me que era a minha mãe sempre.
Lembro-me de ser a mão dela a segurar a minha desde aquele dia
aquele dia da maca
das batas à minha volta para me agarrar
(a punçãozinha, recordas?)
O dia da punção, da dor da agulha a entrar em mim com dois anos
a dor a que não foste capaz de assistir por mal-estar: a tua fuga cobarde da sala por não conseguires suportar o cheiro forte do amoníaco hospitalar
(ou o cheiro forte da minha dor, o cheiro forte dos meus gritos que te davam náuseas e vómitos, que te deixavam indisposto?)
-minha senhora, não existe dor mais forte do que a de uma agulha a entrar-nos na coluna: é melhor que fique o pai ou a mãe
e a minha mae ali ao meu lado, a agarrar-me o corpo ouvindo-me os gritos de olhos rasos de água entalada: a colocar-me a mão no rosto molhado.
As mãos quentes dela em mim a pôr-me no seu colo depois de uma seringa de líquido amarelo ser colocada num tubo, depois de eu ter deixado de chorar exausta e suada num sono cansado e magoado dormido entre soluços sentidos, depois de eu entender que o colo que me havia entregue aos médicos maus era o único que me completava o corpo pequeno.
De ti nem sombra: só o vazio que sempre soubeste encher.
Não me lembro de ti quando tive sarampo ou febre. Lembro-me de ti apenas em curtos flashes.
Lembro-me de fugir de ti na creche quando aparecias sem a minha mãe saber,
na hora do iogurte
e eu levava-me
a mim
a ele
e à colher
de gatas por baixo das mesas pequeninas do refeitório até à lavandaria onde comia escondida e silenciosa enquanto vos ouvia à minha procura
(o iogurte sabia a desinfectante, tinha de impedir o espirro que me nascia no nariz pelo cheiro do sabão, mas sempre acreditei que tudo era melhor a ir contigo)
Curiosamente é a tua imagem que me surge limpa em duas situações:
quando recordo a causa do meu pavor do escuro do breu
(deixaste-me sozinha fechada num quarto de uma roulotte com quatro anos de idade, quando juraste que ias telefonar à minha mãe para ela me vir buscar, com te havia pedido assim que percebi o meu pijama em cima do sofá: adormeci de vestido vermelho, completamente rouca de tanto ter gritado trancada)
e lembro-me de ti melhor ainda, sempre que oiço o meu relógio biológico a fazer
tic-tac
tic-tac
e penso nos dez filhos que quero ter ao lado da figura masculina necessária:
o medo de errar impede-me de acertar.
sexta-feira, maio 13, 2005
Can anybody see?
Há um desenho de uma praia longa de sol, perfeita, que se rabisca aqui
Catembe, conhece?
A água branca de pedras, quieta, silenciosa e baixa; enganosa, cheia de camarões laranja gordos, cheia de búzios e conchas de uma grandeza preciosa.
Há logo ali uma aldeia de pescadores, uma aldeia pouco ligada ao mundo de muito dinheiro, de pouca gente, de casas pouco faustosas
(casas nada faustosas)
com pouco movimento, pouca acção, poucos rostos lisos e poucos rostos de pele branca
(nenhum rosto é liso, nenhum rosto é feito de pele branca)
e há uma negra a entrar na água: há uma jovem mulher negra, de peitos fartos, a chapinhar pés de vida própria que bailam a areia curvada à majestade do mar
- ela é levada pelos seus dois pés até ele.
Baila como se o mar o tivesse mandado chamar, como se ansiasse pelo seu corpo.
Ela vai consciente satisfazer-lhe o capricho: dá-lhe o corpo seu
(ancas e coxas negras fartas)
continuando incessante num ritmo corporal que se torna veloz.
Enquanto dança esquecida de si não nota que a água lhe vai chegando aos ombros: enquanto baila dentro no mar não se apercebe da fome das ondas que lhe engolem já olhos
nariz
boca
enquanto a ele se entrega
nesta loucura insana do movimento do corpo
(não repara, não vê)
que o peso da água: esse peso leve e pesado já lhe come cabelos, já lhe têm a alma.
Catembe, conhece?
A água branca de pedras, quieta, silenciosa e baixa; enganosa, cheia de camarões laranja gordos, cheia de búzios e conchas de uma grandeza preciosa.
Há logo ali uma aldeia de pescadores, uma aldeia pouco ligada ao mundo de muito dinheiro, de pouca gente, de casas pouco faustosas
(casas nada faustosas)
com pouco movimento, pouca acção, poucos rostos lisos e poucos rostos de pele branca
(nenhum rosto é liso, nenhum rosto é feito de pele branca)
e há uma negra a entrar na água: há uma jovem mulher negra, de peitos fartos, a chapinhar pés de vida própria que bailam a areia curvada à majestade do mar
- ela é levada pelos seus dois pés até ele.
Baila como se o mar o tivesse mandado chamar, como se ansiasse pelo seu corpo.
Ela vai consciente satisfazer-lhe o capricho: dá-lhe o corpo seu
(ancas e coxas negras fartas)
continuando incessante num ritmo corporal que se torna veloz.
Enquanto dança esquecida de si não nota que a água lhe vai chegando aos ombros: enquanto baila dentro no mar não se apercebe da fome das ondas que lhe engolem já olhos
nariz
boca
enquanto a ele se entrega
nesta loucura insana do movimento do corpo
(não repara, não vê)
que o peso da água: esse peso leve e pesado já lhe come cabelos, já lhe têm a alma.
sexta-feira, abril 15, 2005
Se eu morresse, tu choravas?
Mahotas, 2 de Abril de 2005
Morto.
A boca das virgens calou-se hoje. Não houve ninguém a cantar, e o sol nasceu forte e grande com um calor seco assassino.
A tristeza colou-se ás paredes da casa e a sensacão de perda faz-me acreditar que o mundo ficou mais pobre de repente.
Parece que lhes morreu um irmão, um pai, um melhor amigo.
Andam cabisbaixas, tristes, como se parte delas tivesse ido com ele
- é um dia triste, menina
e juntam-se de roda de uma televisao velha com imagens cheias de chuva e interrupcoes constantes para ver um pouco de um funeral longo e penoso
- vao levá-lo, menina
Eu sou a menina delas e também sinto o dia triste em mim.
Eu sou a menina silenciosa que lhes observa os passos sentada no chao da varanda do quarto, a menina que constantemente escreve num caderno de capa preta
- é um diário, menina?
Mais do que isso, irmã. A minha vida aqui. Tudo.
Cada situacao, cada instante, cada namorado assumido, rejeitado, desejado,
- eu sou este caderno de capa preta: estou escrita nele
E os cães da casa uivaram toda a noite. Muito.
Uivaram terrivelmente, como se a morte tivesse passado pelo portão e lhes tivesse dito olá.
Talvez tivesse passado e tivesse seguido para Roma: confesso que não sei.
Who am I to Know?I'm just a simple girl.
Morto.
A boca das virgens calou-se hoje. Não houve ninguém a cantar, e o sol nasceu forte e grande com um calor seco assassino.
A tristeza colou-se ás paredes da casa e a sensacão de perda faz-me acreditar que o mundo ficou mais pobre de repente.
Parece que lhes morreu um irmão, um pai, um melhor amigo.
Andam cabisbaixas, tristes, como se parte delas tivesse ido com ele
- é um dia triste, menina
e juntam-se de roda de uma televisao velha com imagens cheias de chuva e interrupcoes constantes para ver um pouco de um funeral longo e penoso
- vao levá-lo, menina
Eu sou a menina delas e também sinto o dia triste em mim.
Eu sou a menina silenciosa que lhes observa os passos sentada no chao da varanda do quarto, a menina que constantemente escreve num caderno de capa preta
- é um diário, menina?
Mais do que isso, irmã. A minha vida aqui. Tudo.
Cada situacao, cada instante, cada namorado assumido, rejeitado, desejado,
- eu sou este caderno de capa preta: estou escrita nele
E os cães da casa uivaram toda a noite. Muito.
Uivaram terrivelmente, como se a morte tivesse passado pelo portão e lhes tivesse dito olá.
Talvez tivesse passado e tivesse seguido para Roma: confesso que não sei.
Who am I to Know?I'm just a simple girl.
quarta-feira, abril 06, 2005
Se eu fosse uma formiga num carreiro, pisavas-me?
Sentadas aqui as duas a ver estrelas debaixo deste céu gigante parecemos gémeas.
Somos iguaizinhas de costas, na escuridão da noite africana.
Queria dizer-te uma data de coisas mas não posso: não percebes português e eu não falo changana.
Queria dizer-te que gosto de ti.
Não sei se é do teu diagnóstico
- esquizófrenia paranóide
se é pela forma como me olhas:tanto a rir estranhamente bem como com os dois olhos esgazeados á procura de uma faca para dar dor a um alguém
- devias saber que a nossa dor nao diminui quando infligida a segundos
Gosto de ti e gosto de me sentar aqui contigo. Gosto da forma como acho que gostas de mim.
A loucura sempre me fascinou.
Sempre que olho para a tua cicatriz penso que somos muito mais semelhante do que possas imaginar.
- eu também já tentei engolir o mundo para me matar...
Tu engoliste uma pedra e rasgaram-te a pele do pescoço para te salvar
- alguém te perguntou se querias ser salva?
E também o faria da forma que tu o fizeste: engoliria a minha pedra escondida no meu quarto.
És uma mulher única e apetecia-me abraçar-te.
Eu também quero ter um filho como tu tiveste
- a pessoa certa?achaste?
eu morro de medo de acertar no pai errado.
(...) E eu faria exactamente o mesmo que tu fizeste. Se encontrasse a minha cria morta também o punha na capulana para passear com ele pela cidade,
- como se vivesse
e podia cheirar mal que para mim seria sempre o cheiro perfeito do corpo saído do meu: amá-lo-ia pela eternidade.
Faria como tu. Até me encontrarem cantaria para ele embrulhado em mim, e não deixaria que mo levassem nunca, ainda que me amarrassem como fizeram contigo, depois de vos acharem em carinhos de mãe e filho que não se sabem despedir da vida.
Faria o mesmo que tu fizeste e é por isso que te amo, insana. : somos da mesma textura, iguais.
Temo dizê-lo alto porque elas não podem descobrir-me igual a ti:
- fariam-me o mesmo, atavam-me.
Não posso deixar que aconteça, entendes? Não posso.
Mas gosto de ti. A sério que gosto de ti.
Somos iguaizinhas de costas, na escuridão da noite africana.
Queria dizer-te uma data de coisas mas não posso: não percebes português e eu não falo changana.
Queria dizer-te que gosto de ti.
Não sei se é do teu diagnóstico
- esquizófrenia paranóide
se é pela forma como me olhas:tanto a rir estranhamente bem como com os dois olhos esgazeados á procura de uma faca para dar dor a um alguém
- devias saber que a nossa dor nao diminui quando infligida a segundos
Gosto de ti e gosto de me sentar aqui contigo. Gosto da forma como acho que gostas de mim.
A loucura sempre me fascinou.
Sempre que olho para a tua cicatriz penso que somos muito mais semelhante do que possas imaginar.
- eu também já tentei engolir o mundo para me matar...
Tu engoliste uma pedra e rasgaram-te a pele do pescoço para te salvar
- alguém te perguntou se querias ser salva?
E também o faria da forma que tu o fizeste: engoliria a minha pedra escondida no meu quarto.
És uma mulher única e apetecia-me abraçar-te.
Eu também quero ter um filho como tu tiveste
- a pessoa certa?achaste?
eu morro de medo de acertar no pai errado.
(...) E eu faria exactamente o mesmo que tu fizeste. Se encontrasse a minha cria morta também o punha na capulana para passear com ele pela cidade,
- como se vivesse
e podia cheirar mal que para mim seria sempre o cheiro perfeito do corpo saído do meu: amá-lo-ia pela eternidade.
Faria como tu. Até me encontrarem cantaria para ele embrulhado em mim, e não deixaria que mo levassem nunca, ainda que me amarrassem como fizeram contigo, depois de vos acharem em carinhos de mãe e filho que não se sabem despedir da vida.
Faria o mesmo que tu fizeste e é por isso que te amo, insana. : somos da mesma textura, iguais.
Temo dizê-lo alto porque elas não podem descobrir-me igual a ti:
- fariam-me o mesmo, atavam-me.
Não posso deixar que aconteça, entendes? Não posso.
Mas gosto de ti. A sério que gosto de ti.
sexta-feira, abril 01, 2005
kp...I saw your comment :P
Tenho medo das minhas ex-mulheres. Casei inúmeras vezes, amantizei-me umas quantas outras e nunca fiquei até ao fim: recuso-me a ver casas amarelas de portão azul pegarem fogo.
Não sei se tenho medo, se tenho pânico deste fogo: ir embora sozinho, depois da chegada dos bombeiros, parece-me justo.
Podia ficar e chorar, podia fazer a dança do fogo e regozijar-me enquanto tudo é lume, mas a mim só me apetece correr: fugir dali rápido.
Tenho muito medo que o fogo venha atrás de mim e me queime a cara como as minhas ex-mulheres gostariam que acontecesse.
Tenho medo que elas se unam em acusações e me ponham um pneu encharcado em petróleo á volta do pescoço, e me queimem vivo em aplausos: sei que o desejam.
Depois só temo a ideia de que alguma delas possa secretamentedeixar de controlar a concepção e me apresente uma criança dizendo
- é teu
e eu teria de olhar para ele e ver-me. Teria de olhar para ela e tê-la na incontabilidade dos meus dias: não poderia deixar metade do meu corpo, agora noutro, fugir-me pelas cidades e dar-se a outros homens.
Uma. Uma das minhas exs é capaz disso: é louca o suficiente para me fazer infeliz.
Foi capaz de me perguntar, durante a efervescência dos corpos, deitada nua debaixo de mim nú, a olhar para aquilo que tenho dentro dos olhos
-fazes-me um filho?
Eu não lhe disse sim.
Ela riu-se de mim com os seios descobertos, empurrou-me da cama e disse-me que não pedia um papá; que pedia um reprodutor de alta qualidade.
Só não ri porque doeu. Vestiu-se e não mais a vi.
Queria ter-lhe perguntado qual a cor de cortinas de sala que ela gostaria de ver numa casa marela de portão azul.
Não sei se tenho medo, se tenho pânico deste fogo: ir embora sozinho, depois da chegada dos bombeiros, parece-me justo.
Podia ficar e chorar, podia fazer a dança do fogo e regozijar-me enquanto tudo é lume, mas a mim só me apetece correr: fugir dali rápido.
Tenho muito medo que o fogo venha atrás de mim e me queime a cara como as minhas ex-mulheres gostariam que acontecesse.
Tenho medo que elas se unam em acusações e me ponham um pneu encharcado em petróleo á volta do pescoço, e me queimem vivo em aplausos: sei que o desejam.
Depois só temo a ideia de que alguma delas possa secretamentedeixar de controlar a concepção e me apresente uma criança dizendo
- é teu
e eu teria de olhar para ele e ver-me. Teria de olhar para ela e tê-la na incontabilidade dos meus dias: não poderia deixar metade do meu corpo, agora noutro, fugir-me pelas cidades e dar-se a outros homens.
Uma. Uma das minhas exs é capaz disso: é louca o suficiente para me fazer infeliz.
Foi capaz de me perguntar, durante a efervescência dos corpos, deitada nua debaixo de mim nú, a olhar para aquilo que tenho dentro dos olhos
-fazes-me um filho?
Eu não lhe disse sim.
Ela riu-se de mim com os seios descobertos, empurrou-me da cama e disse-me que não pedia um papá; que pedia um reprodutor de alta qualidade.
Só não ri porque doeu. Vestiu-se e não mais a vi.
Queria ter-lhe perguntado qual a cor de cortinas de sala que ela gostaria de ver numa casa marela de portão azul.
sexta-feira, março 25, 2005
Me, myself and I
Lourenço Marques, 25 de Março de 1959
Querida Genoveva:
As mulherzinhas vieram comigo no barco: deixaram a minha casa, os sitíos que frequentava em Lisboa e nas Caldas, o guarda-fatos da minha mãe, o sotão dos meus avós para me surgirem aqui.
Tenho medo delas.
Em desespero, convenci-as a vir ao meu quarto para chegarmos as três a um acordo: elas entraram, sentaram-se e avisaram-me que tinham uma exigência inicial, que tinhamos de nos desnudar as três
- a nudez tem um poder próprio
disseram.
Despi-me com elas. A minha tia entrou no quarto instantes depois e encontrou-me nua, sentada na cama a falar sozinha.
Sei que estão a arranjar tudo para o meu regresso para breve, por isso informo-a que não havará necessidade de responder à minha missiva.
da sua sempre amiga,
Maputo, 25 de Março de 2005
Foi um destes dias à tarde. Não estava sozinha na sala mas as paredes soltaram-se e afastaram-se do chão que as unia.
Os acordes iniciais de Numb, Linking Park, a entrarem-me pelos ossos e pela janela de vidro grande, aqui.
Aqui. Aqui a Km de uma civilização que se identifique com este tipo de sonoridade, aqui onde a cobertura rádio é má e a cobertura telefónica dá nos nervos
- Denunciaste-te
e o meu corpo gelou.
Encostei a testa ao vidro da janela até o som se esgotar. Perfeito.
Recebi uma carta da tua mãe ontem.
Aprendi que 1 ano, 2 meses e 23 dias depois as hemorragias estacam e dão lugar a cicatrizes profundas.
Há um jardim com flores frente á casa onde vivo: descobri que as flores falam entre si quando alguém passa por elas.
Aprendi a jogar ás pedrinhas, a fazer goiabada, a socorrer ataques em 3 segundos.
Aprendi a entrar numa sala só de crianças deficientes: a dar-lhes comida, a contar-lhes estórias que só entendem pelas expressões que o meu rosto adquire.
Aprendi que o Senhor Bila não gosta de falar dos filhos porque dois deles morreram vitímas de Sida
- e ele ainda não soube fazer cicatrizes
aprendi que o doce favorito do Fabito é gelatina tutti-frutti, que há um funcionário das irmãs que passa 30 minutos diários a ver-me correr atrás de uma árvore.
Aprendi a trepar, a dar upas a dois chocolatinhos ao mesmo tempo, a olhar com ódio para os brancos mal amados que olham para eles como não-me-toques-coitadinho-que-vai-morrer.
Aprendi que a minha coragem ás vezes faz-me correr riscos desnecessários, que as pessoas afinal podem mudar, que o céu africano foi pintado à mão mas ninguém sabe.
Aprendi que as pessoas não se perdem, se um dia houve em que as ganhámos.
Querida Genoveva:
As mulherzinhas vieram comigo no barco: deixaram a minha casa, os sitíos que frequentava em Lisboa e nas Caldas, o guarda-fatos da minha mãe, o sotão dos meus avós para me surgirem aqui.
Tenho medo delas.
Em desespero, convenci-as a vir ao meu quarto para chegarmos as três a um acordo: elas entraram, sentaram-se e avisaram-me que tinham uma exigência inicial, que tinhamos de nos desnudar as três
- a nudez tem um poder próprio
disseram.
Despi-me com elas. A minha tia entrou no quarto instantes depois e encontrou-me nua, sentada na cama a falar sozinha.
Sei que estão a arranjar tudo para o meu regresso para breve, por isso informo-a que não havará necessidade de responder à minha missiva.
da sua sempre amiga,
Maputo, 25 de Março de 2005
Foi um destes dias à tarde. Não estava sozinha na sala mas as paredes soltaram-se e afastaram-se do chão que as unia.
Os acordes iniciais de Numb, Linking Park, a entrarem-me pelos ossos e pela janela de vidro grande, aqui.
Aqui. Aqui a Km de uma civilização que se identifique com este tipo de sonoridade, aqui onde a cobertura rádio é má e a cobertura telefónica dá nos nervos
- Denunciaste-te
e o meu corpo gelou.
Encostei a testa ao vidro da janela até o som se esgotar. Perfeito.
Recebi uma carta da tua mãe ontem.
Aprendi que 1 ano, 2 meses e 23 dias depois as hemorragias estacam e dão lugar a cicatrizes profundas.
Há um jardim com flores frente á casa onde vivo: descobri que as flores falam entre si quando alguém passa por elas.
Aprendi a jogar ás pedrinhas, a fazer goiabada, a socorrer ataques em 3 segundos.
Aprendi a entrar numa sala só de crianças deficientes: a dar-lhes comida, a contar-lhes estórias que só entendem pelas expressões que o meu rosto adquire.
Aprendi que o Senhor Bila não gosta de falar dos filhos porque dois deles morreram vitímas de Sida
- e ele ainda não soube fazer cicatrizes
aprendi que o doce favorito do Fabito é gelatina tutti-frutti, que há um funcionário das irmãs que passa 30 minutos diários a ver-me correr atrás de uma árvore.
Aprendi a trepar, a dar upas a dois chocolatinhos ao mesmo tempo, a olhar com ódio para os brancos mal amados que olham para eles como não-me-toques-coitadinho-que-vai-morrer.
Aprendi que a minha coragem ás vezes faz-me correr riscos desnecessários, que as pessoas afinal podem mudar, que o céu africano foi pintado à mão mas ninguém sabe.
Aprendi que as pessoas não se perdem, se um dia houve em que as ganhámos.
terça-feira, março 15, 2005
Jim Morrison was mistaken: life´s a gift...not a game
Os narcisos nascem do chão: a ausência nasce-me dos espaços que tenho entre dedos.
A comundidade de St. Egídio trouxe a coordenadora do projecto Dream, uma médica de olhos feitos de carne diferente da que lhe reveste o corpo, que veio dizer o que ja se sabe:
- o centro não tem mais capacidade para tratar de bebés infectados.
E há um céu lá fora que se põe negro.
E era agora que eu vos contava que há, na diaricidade das manhãs, uma fila de formigas humanas
- mulheres com os filhos nas caplanas
a pedir o tratamento que não podem pagar.
Uma fila enorme, gorda, incomensurável, a crescer do outro lado do jardim onde as flores falam
-não podemos aceitar mais, tente hospital
e há uma mamã que me chama á grade em aflição: tem um bicho magro na caplana
- é um bebé, não vês?
Uma virgem habituada a tudo ver tem a objectividade que me falha, pega-lhe e leva-o.
Eu fecho os olhos para nada daquilo que vi ser verdade.
Comecei a correr até á exaustão, nos fins de tarde, para deixar de ter vontade de bater em tanta gente.
Hoje, será só hoje, apetecia-me que a noite descesse mais cedo (o céu africano é mágico).
Apetecia-me ver o principezinho e a rosa: apetecia-me ver estrelas.
Iria para o meu quarto logo em seguida: trancar-me-ia, tomaria um longo banho.
Hoje, mas seria só hoje, apetecia-me chorar muito, sentar-me nua na cama, abrir a gaveta de madeira escura da mesinha de cabeçeira do meu quarto e descobrir-lhe um revolver qualquer.
Ia gostar de poder coloca-lo suavemente na boca, e, em solenidade, fechar os olhos e abraçada ao silêncio fazer Plockkkkk.
Existiriam ai, na ironia, bocados de carne pelas paredes do quarto.
A comundidade de St. Egídio trouxe a coordenadora do projecto Dream, uma médica de olhos feitos de carne diferente da que lhe reveste o corpo, que veio dizer o que ja se sabe:
- o centro não tem mais capacidade para tratar de bebés infectados.
E há um céu lá fora que se põe negro.
E era agora que eu vos contava que há, na diaricidade das manhãs, uma fila de formigas humanas
- mulheres com os filhos nas caplanas
a pedir o tratamento que não podem pagar.
Uma fila enorme, gorda, incomensurável, a crescer do outro lado do jardim onde as flores falam
-não podemos aceitar mais, tente hospital
e há uma mamã que me chama á grade em aflição: tem um bicho magro na caplana
- é um bebé, não vês?
Uma virgem habituada a tudo ver tem a objectividade que me falha, pega-lhe e leva-o.
Eu fecho os olhos para nada daquilo que vi ser verdade.
Comecei a correr até á exaustão, nos fins de tarde, para deixar de ter vontade de bater em tanta gente.
Hoje, será só hoje, apetecia-me que a noite descesse mais cedo (o céu africano é mágico).
Apetecia-me ver o principezinho e a rosa: apetecia-me ver estrelas.
Iria para o meu quarto logo em seguida: trancar-me-ia, tomaria um longo banho.
Hoje, mas seria só hoje, apetecia-me chorar muito, sentar-me nua na cama, abrir a gaveta de madeira escura da mesinha de cabeçeira do meu quarto e descobrir-lhe um revolver qualquer.
Ia gostar de poder coloca-lo suavemente na boca, e, em solenidade, fechar os olhos e abraçada ao silêncio fazer Plockkkkk.
Existiriam ai, na ironia, bocados de carne pelas paredes do quarto.
segunda-feira, março 07, 2005
Pó de borboleta
Procura-se agricultor com a 4 classe, proprietário rural, com forte inclinação para a paternidade.
Relacionamento sério.
Uma jovem mulher assassinada aqui á porta, as virgens assustadas por mim, e Virginia Woolf a correr-me nas veias: fomos apresentadas em Portugal mas foi aqui que ganhámos cumplicidade.
Confidencio-vos que ela tem dormido aqui, na cama de cima, e que vai embora na madrugada para que ninguém a surpreenda no retorno.
O João ontem fugiu-me. Quando o encontrei apeteceu-me bater-lhe, mas abraçei-o com tanta força que quase o aleijei.
Fiquei na dúvida se fugia do centro, ou se investia na fuga mais inglória de todas: a fuga daquilo que somos.
Pergunto-me, diariamente, se os amaria mais se todo este processo tivesse envolvido a maternidade da carne: vómitos, ácido fólico, ecografias, barriga a crescer, ausência de menstruação, compras, sangue ...dores de parto.
Guess not.
Relacionamento sério.
Uma jovem mulher assassinada aqui á porta, as virgens assustadas por mim, e Virginia Woolf a correr-me nas veias: fomos apresentadas em Portugal mas foi aqui que ganhámos cumplicidade.
Confidencio-vos que ela tem dormido aqui, na cama de cima, e que vai embora na madrugada para que ninguém a surpreenda no retorno.
O João ontem fugiu-me. Quando o encontrei apeteceu-me bater-lhe, mas abraçei-o com tanta força que quase o aleijei.
Fiquei na dúvida se fugia do centro, ou se investia na fuga mais inglória de todas: a fuga daquilo que somos.
Pergunto-me, diariamente, se os amaria mais se todo este processo tivesse envolvido a maternidade da carne: vómitos, ácido fólico, ecografias, barriga a crescer, ausência de menstruação, compras, sangue ...dores de parto.
Guess not.
sábado, fevereiro 19, 2005
Aqui
(...)Há um cântico puro que sai da igreja do lado. Irmãs negras a pedirem coisas a Deus
-pai, filho e espírito santo
e toda a fé move o mundo.
Moçambique.
O cântico que lhes sai da boca protege-nos do que quer entrar pelas portas, pelas janelas
- mamã Inês, mamã
Há um recolher de corpos obrigatório ás 22h30, há uma padaria, há laudes ás 6.
Há meninos pretos que me agarram a saia e querem brincar
-mamã Inês, mamã Inês
e querem fazer roda, querem subir árvores.
Há leite a ser distribuído por estas bocas.
Bocas de crianças queimadas, crianças mudas, crianças sem unhas, crianças cegas
-sem pai, sem mãe,
sou eu aqui
crianças sem casa,
-mamã Inês, mamã Inês
crianças de 8 com corpos de 3, crianças com barrigas gigantes, com altos na cabeça. Crianças tristes, felizes, crianças com fome
- mata bicho, mamã Inês
crianças com sede, com rosto desfigurado, crianças que se agarram á parede para andar, crianças assustadas, crianças que soiltam gargalhadas leves quando lhes mordo a barriga, quando levanto o nariz para cima e reviro os olhos
- olha agora, uma porquinha
(e fico tão ridicula quando faço caretas)
crianças albinas, crianças a experimentar aguarelas, plasticinas, puzzles de borracha
-olhem eu aqui
crianças com cheiro de urina, crianças que são preciso carregar ao colo.
E há a Mimusa
- tem sida
e há o joão. Há o domingos, a carla, a Marisa.
Há o Ganino, a vóvó, a Lucinha
- e eu a brincar ás caplanas
e há o Fabião, a Natércia, e eu a fingir que agora sou macaca...
Há o agora porque aqui não há o antes nem o depois.
E agora?
Os cânticos de bocas virgens lá fora.
-pai, filho e espírito santo
e toda a fé move o mundo.
Moçambique.
O cântico que lhes sai da boca protege-nos do que quer entrar pelas portas, pelas janelas
- mamã Inês, mamã
Há um recolher de corpos obrigatório ás 22h30, há uma padaria, há laudes ás 6.
Há meninos pretos que me agarram a saia e querem brincar
-mamã Inês, mamã Inês
e querem fazer roda, querem subir árvores.
Há leite a ser distribuído por estas bocas.
Bocas de crianças queimadas, crianças mudas, crianças sem unhas, crianças cegas
-sem pai, sem mãe,
sou eu aqui
crianças sem casa,
-mamã Inês, mamã Inês
crianças de 8 com corpos de 3, crianças com barrigas gigantes, com altos na cabeça. Crianças tristes, felizes, crianças com fome
- mata bicho, mamã Inês
crianças com sede, com rosto desfigurado, crianças que se agarram á parede para andar, crianças assustadas, crianças que soiltam gargalhadas leves quando lhes mordo a barriga, quando levanto o nariz para cima e reviro os olhos
- olha agora, uma porquinha
(e fico tão ridicula quando faço caretas)
crianças albinas, crianças a experimentar aguarelas, plasticinas, puzzles de borracha
-olhem eu aqui
crianças com cheiro de urina, crianças que são preciso carregar ao colo.
E há a Mimusa
- tem sida
e há o joão. Há o domingos, a carla, a Marisa.
Há o Ganino, a vóvó, a Lucinha
- e eu a brincar ás caplanas
e há o Fabião, a Natércia, e eu a fingir que agora sou macaca...
Há o agora porque aqui não há o antes nem o depois.
E agora?
Os cânticos de bocas virgens lá fora.
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
Mo-çam-bi-que
Morreste à um ano, e continuas aqui da mesma forma: vivo.
Moçambique. Daqui a pouco.
Três malas prontas, enormes, completas
completas de t-shirts, de saias, de vestidinhos, de sandálias, de chinelos, de fotos, de pessoas, de saudades, de coisas não analisadas, de músicas especiais, de abraços dados, de abraços por dar, de mãos, de pés, de ombros, de livros, de medos, de segredos
- levo mesmo tudo quando em levo a mim
e ir.
Ir na realidade quente de quem sabe resumir a vida a estas três malas breves, resolvidas.
Ir sem reparar nas luzes, na sombra do chão, na inevitabilidade do a-seguir que mete medo
- fica. Fica
E sim, por favor, sem lágrimas num até já recorrente de quem sai á noite para dançar e volta de manhã
- vou dançar.
Até já
Até já quarto, até já cama, até já tempo, até já espaço, até já mundo. Até já Ana, até já Luís, até já Anto, até já Luxi, até já Joanne
- o Paulo vai comigo, ele vai sempre
até já mãe, manos, até já sobrinhos fabulosos. Até já livros, até já sitios, até já escrita, até já faculdade
- sim, eu disse até já
até já fotos, até já perfumes, até já make up. Até já coisas, objectos pessoais, até já momentos perpétuos.
Até já esquecimento, até já chocolate-quando-estou-com-medo, até já unhas por roer.
Moçambique. Daqui a pouco.
Três malas prontas, enormes, completas
completas de t-shirts, de saias, de vestidinhos, de sandálias, de chinelos, de fotos, de pessoas, de saudades, de coisas não analisadas, de músicas especiais, de abraços dados, de abraços por dar, de mãos, de pés, de ombros, de livros, de medos, de segredos
- levo mesmo tudo quando em levo a mim
e ir.
Ir na realidade quente de quem sabe resumir a vida a estas três malas breves, resolvidas.
Ir sem reparar nas luzes, na sombra do chão, na inevitabilidade do a-seguir que mete medo
- fica. Fica
E sim, por favor, sem lágrimas num até já recorrente de quem sai á noite para dançar e volta de manhã
- vou dançar.
Até já
Até já quarto, até já cama, até já tempo, até já espaço, até já mundo. Até já Ana, até já Luís, até já Anto, até já Luxi, até já Joanne
- o Paulo vai comigo, ele vai sempre
até já mãe, manos, até já sobrinhos fabulosos. Até já livros, até já sitios, até já escrita, até já faculdade
- sim, eu disse até já
até já fotos, até já perfumes, até já make up. Até já coisas, objectos pessoais, até já momentos perpétuos.
Até já esquecimento, até já chocolate-quando-estou-com-medo, até já unhas por roer.
segunda-feira, janeiro 24, 2005
Driving you slow
(...)Perdoa-me.
Imaginei-te imensas vezes naquele sapato, imaginei a forma como nos poderiamos ter encontrado um ao outro, imaginei que ia gostar de ti.
Imaginei que beijas bem, que iamos rir, que aprendeste a despir meninas desde cedo com a tua vizinha do lado e que o querias fazer comigo.
E ias perguntar:
- posso beijar-te
e eu ia olhar para as minhas unhas, envergonhada e doce, e dizia:
-pode
Imaginei que iamos ver estrelas no tejadilho do teu carro, imaginei que ia ser delicioso e nunca imaginei que esta realidade fosse como guilhotina a cair-me no pescoço
-mas há um bebé morto numa barriga grande e apetece-me chorar
e não fosse ser nada como imaginei.
Imaginei que me ias escrever coisas bonitas debaixo da pele, que me ias lamber a bochecha
-o bebé morto também é meu pelo poderio dos afectos
e que depois de tudo apanhava o taxi e ia pelo caminho duma Lisboa serena, a pensar o que tinha sido feito, o que tinha sido dito
- a barriga?
a pensar que tinhas um queixo perfeito para trincar
- o bebé estava a dormir lá dentro. Morto.
Como mudar as fraldas a um bebé morto? sabes?
mas parece que a imaginação tem a força de um fio de uma teia de aranha
E não, não vamos combinar mais três-da-manhã-num sapato, vamos combinar num próximo milénio, numa próxima vida, numa próxima esfera de evolução que não toque a de hoje:
vamos combinar ser vizinhos quando nascermos outra vez
- o bebé? Ia ser um bocadinho meu e eu ia saber mudar-lhe as fraldas
e iamos ter cinco anos quando a minha mãe te convidasse para jantar depois das aulas
- a barriga? Enorme, ainda
e eu ia mostrar-te os meus lápis de cor novos na sala de estar, e tu ias ensinar-me a fazer um bico de pintainho para me beijares a sério,
a sério como os grandes
a sério como nas novelas
tão sério que eu ia fechar os olhos com muita força e ia ser tudo como tinhas prometido na hora do recreio.
Imaginei-te imensas vezes naquele sapato, imaginei a forma como nos poderiamos ter encontrado um ao outro, imaginei que ia gostar de ti.
Imaginei que beijas bem, que iamos rir, que aprendeste a despir meninas desde cedo com a tua vizinha do lado e que o querias fazer comigo.
E ias perguntar:
- posso beijar-te
e eu ia olhar para as minhas unhas, envergonhada e doce, e dizia:
-pode
Imaginei que iamos ver estrelas no tejadilho do teu carro, imaginei que ia ser delicioso e nunca imaginei que esta realidade fosse como guilhotina a cair-me no pescoço
-mas há um bebé morto numa barriga grande e apetece-me chorar
e não fosse ser nada como imaginei.
Imaginei que me ias escrever coisas bonitas debaixo da pele, que me ias lamber a bochecha
-o bebé morto também é meu pelo poderio dos afectos
e que depois de tudo apanhava o taxi e ia pelo caminho duma Lisboa serena, a pensar o que tinha sido feito, o que tinha sido dito
- a barriga?
a pensar que tinhas um queixo perfeito para trincar
- o bebé estava a dormir lá dentro. Morto.
Como mudar as fraldas a um bebé morto? sabes?
mas parece que a imaginação tem a força de um fio de uma teia de aranha
E não, não vamos combinar mais três-da-manhã-num sapato, vamos combinar num próximo milénio, numa próxima vida, numa próxima esfera de evolução que não toque a de hoje:
vamos combinar ser vizinhos quando nascermos outra vez
- o bebé? Ia ser um bocadinho meu e eu ia saber mudar-lhe as fraldas
e iamos ter cinco anos quando a minha mãe te convidasse para jantar depois das aulas
- a barriga? Enorme, ainda
e eu ia mostrar-te os meus lápis de cor novos na sala de estar, e tu ias ensinar-me a fazer um bico de pintainho para me beijares a sério,
a sério como os grandes
a sério como nas novelas
tão sério que eu ia fechar os olhos com muita força e ia ser tudo como tinhas prometido na hora do recreio.
quinta-feira, janeiro 20, 2005
The spiderman is always hungry
Dizem que já conseguem viver um sem o outro, que tem cortinados da sala diferentes, que a porta da sala é diferente, que vivem vidas diferentes.
Dizem que já são felizes.
Dizem que já não sentem a falta um do outro na cama, que já não experimentam arcas frigorificas, chãos da sala, casas de banho.
Dizem que mudaram.
Dizem que se passarem na rua, um muda para o outro lado da estrada: dizem que são civilizados, que se sabem tratar.
Dizem que tem outras pessoas, que casaram
- ela arranjou outro
ele arranjou outra
e que as festas foram grandes com as familias todas.
Dizem que moram perto um do outro sem saberem.
Dizem que da varanda de um se vê a varanda do outro. Dizem que no outro dia se cumprimentaram na secção do arroz no supermercado.
Dizem que iam os dois com as respectivas crias.
Dizem que primeiro se olharam nos olhos, que esticaram as mãos, que parecia que nunca um se havia despido para o outro, que nunca se haviam partilhado em horas de prazer, que pareciam estranhos.
Dizem que se apagou o que havia, dizem que a pele dela já não dava sinais da presença dele, dizem que ele desviou o olhar: dizem que o marido dela apareceu, que ela os apresentou.
Dizem
- e pouca gente sabe
que ela olhou para trás, quando se separaram.
Dizem que foi um olhar estranho.
E dizem
- dizem
não tenho a certeza mas dizem, que ele olhou também.
Dizem que já são felizes.
Dizem que já não sentem a falta um do outro na cama, que já não experimentam arcas frigorificas, chãos da sala, casas de banho.
Dizem que mudaram.
Dizem que se passarem na rua, um muda para o outro lado da estrada: dizem que são civilizados, que se sabem tratar.
Dizem que tem outras pessoas, que casaram
- ela arranjou outro
ele arranjou outra
e que as festas foram grandes com as familias todas.
Dizem que moram perto um do outro sem saberem.
Dizem que da varanda de um se vê a varanda do outro. Dizem que no outro dia se cumprimentaram na secção do arroz no supermercado.
Dizem que iam os dois com as respectivas crias.
Dizem que primeiro se olharam nos olhos, que esticaram as mãos, que parecia que nunca um se havia despido para o outro, que nunca se haviam partilhado em horas de prazer, que pareciam estranhos.
Dizem que se apagou o que havia, dizem que a pele dela já não dava sinais da presença dele, dizem que ele desviou o olhar: dizem que o marido dela apareceu, que ela os apresentou.
Dizem
- e pouca gente sabe
que ela olhou para trás, quando se separaram.
Dizem que foi um olhar estranho.
E dizem
- dizem
não tenho a certeza mas dizem, que ele olhou também.
quinta-feira, janeiro 13, 2005
Composição sobre a floresta
Escola primária de Santo António, 23 de Maio de 1948
Isto é uma floresta: temos árvores, temos pica-paus, rouxinóis, folhas, flores, madeira, mel, abelhas
-odeio abelhas
temos borboletas, sol, carvalhos, bolotas no chão, fadas, gnomos
- tenho saudades tuas
temos coelhos nas tocas, temos cheiro a relva molhada, temos mochos de olhos grandes abertos na noite
-tenho saudades minhas, do que era
temos musgo colado á força das raizes das árvores, temos caracoletas, temos passarinhos de asas partidas
-ás vezes, ainda sinto a tua falta na minha cama
e temos ninhos, ovos, frutos bravos
- um dia destes vou ver-te e estico os lábios para me beijares
temos o som do vento, temos o som dos bichos, temos a essência da mais música
-não ias recusar-me um beijo pois não?
E a nossa aula acabou. A professora morreu.
quinta-feira, janeiro 06, 2005
Keep your hands where I can see them
Já não me lembro.
Já não me lembro de como aprendi a chorar, a escrever, a atar os tennis.
Já não me lembro do baloiço da casa da minha avó, da àrvore que lhe entrava pela sala a dentro, de como ela dizia
- menina.
Não me lembro mais do dia em que ela adormeceu para sempre naquele dia de Natal
- a avó está a dormir mamã
e muito menos me lembro de as ter ouvido falar ás duas, meses depois, anos depois, numa campa de mármore branco em Benfica
- três fêmeas com o mesmo sangue nas veias
a minha mãe a limpar rebordos do mármore frio
a minha avó debaixo dele
eu a mudar a água das flores
-mas eles falam, mamã?
Já não me lembro delas naquela cumplicidade estranha
- de vida e de morte
comigo no meio
-diz-lhe que tenho saudades dela, mamã
Não em lembro mais do dia em que ele morreu
- está lá?
não me lembro mais de cair fulminada na cama e a minha mãe me suster a dor
- podes vir aqui ter comigo ao instituto de medicina legal?sabes onde fica?
Houve um engano e ninguém sabe.
Já não me lembro de mim antes disto, não me lembro de viver os últimos três dias, não em lembro de sentir amizade mais profunda e sincera pelas linhas de metro da estação de Entrecampos
- salta, salta
Não me lembro de mim, sentada no teu colo, a ouvir rouxinois, não em lembro mais de ti na minha cama, não me lembro mais do dia em que nos conhecemos
- chama a policia que um homem está ferido no comboio
Não me lembro mais de me rir contigo, de abrir-te portas, de te ver a mastigar.
Não me lembro de ferida maior, que precise de mais compressas, Betadine
que precise de maior número de agulhas, anestesia, pessoal capacitado e batas
do que esta de hoje.
Não me lembro mais de gritos e castrações
- tão parecido com o daddy
nem me lembro mais de um passeio, de estar sentada nele a chorar
a chorar por mim
por ti
e por um presente que se fez passado no meio de gente que nos olha com a curiosidade circense.
- estou aqui mamã, podes vir-me buscar?
Não em lembro de poço mais fundo, de tantas mãos, de tanta luz lá em cima: mão em lembro de esolha mais forte e mais letal do que aquela que vem no a-seguir,
num
a-seguir
demasiado próximo.
(...)Dá-me um beijo e provoca um Tsunami que faça o mar chegar-me á ponta dos pés para podermos chapinhar juntos e ser felizes no meio de conchas e carangueijos.
Já não me lembro de como aprendi a chorar, a escrever, a atar os tennis.
Já não me lembro do baloiço da casa da minha avó, da àrvore que lhe entrava pela sala a dentro, de como ela dizia
- menina.
Não me lembro mais do dia em que ela adormeceu para sempre naquele dia de Natal
- a avó está a dormir mamã
e muito menos me lembro de as ter ouvido falar ás duas, meses depois, anos depois, numa campa de mármore branco em Benfica
- três fêmeas com o mesmo sangue nas veias
a minha mãe a limpar rebordos do mármore frio
a minha avó debaixo dele
eu a mudar a água das flores
-mas eles falam, mamã?
Já não me lembro delas naquela cumplicidade estranha
- de vida e de morte
comigo no meio
-diz-lhe que tenho saudades dela, mamã
Não em lembro mais do dia em que ele morreu
- está lá?
não me lembro mais de cair fulminada na cama e a minha mãe me suster a dor
- podes vir aqui ter comigo ao instituto de medicina legal?sabes onde fica?
Houve um engano e ninguém sabe.
Já não me lembro de mim antes disto, não me lembro de viver os últimos três dias, não em lembro de sentir amizade mais profunda e sincera pelas linhas de metro da estação de Entrecampos
- salta, salta
Não me lembro de mim, sentada no teu colo, a ouvir rouxinois, não em lembro mais de ti na minha cama, não me lembro mais do dia em que nos conhecemos
- chama a policia que um homem está ferido no comboio
Não me lembro mais de me rir contigo, de abrir-te portas, de te ver a mastigar.
Não me lembro de ferida maior, que precise de mais compressas, Betadine
que precise de maior número de agulhas, anestesia, pessoal capacitado e batas
do que esta de hoje.
Não me lembro mais de gritos e castrações
- tão parecido com o daddy
nem me lembro mais de um passeio, de estar sentada nele a chorar
a chorar por mim
por ti
e por um presente que se fez passado no meio de gente que nos olha com a curiosidade circense.
- estou aqui mamã, podes vir-me buscar?
Não em lembro de poço mais fundo, de tantas mãos, de tanta luz lá em cima: mão em lembro de esolha mais forte e mais letal do que aquela que vem no a-seguir,
num
a-seguir
demasiado próximo.
(...)Dá-me um beijo e provoca um Tsunami que faça o mar chegar-me á ponta dos pés para podermos chapinhar juntos e ser felizes no meio de conchas e carangueijos.
segunda-feira, janeiro 03, 2005
Joy to the world
(11 meses depois ainda existes)
Descasco cebola para um refugado especial: o teu corpo cortado em lascas num tacho de aluminio ao lume.
Porque há coisas que dizemos através de palavras que podem ser assomadas de intensidade se à frente do nosso interlocutor cortarmos ossos de joelhos humanos a servir em prato principal num almoço de primeiro dia do ano.
Ontem à noite tive uma almofada na barriga e percebi que o ar entra e sai de mim sem consentimento:
a almofada
para cima
para baixo
- tenho o corpo alugado, só isso
para cima
para baixo
- e tenho pena do dia em que o tiver de deixar
para cima
para baixo
- debaixo da terra, mal protegido num caixão a ser devorado por bichinhos gulosos e viscosos cheios de fome: fome de mim
para cima
para baixo
Um dia morro porque o ar deixa de fazer almofadas na barriga subirem e descerem
-como o amor
para cima
para baixo
-como quando somos felizes e só queremos andar descalços a dançar nús pela casa
para cima
para baixo
E ai, percebo então que é possível que tenha morrido, e que, como tudo,
- primeiro estranha-se depois entranha-se
para cima
para baixo
Não sei como te dizer isto de outra forma:
não sei como te explicar que o teu carro
que aquele bosque onde o costumas parar para me fazer gritar
que tu que eu que o teu corpo que o meu que o teu prazer que o meu que a minha cama que nós os dois nela que tu despido que eu ali que as minhas alucinações que a tua barba por fazer que as minhas unhas a cravarem felizes as tuas costas que aquilo que és ai dentro onde tudo se parte que o que eu sou aqui onde tudo arde que a música argentina que sempre me pediu o corpo que o cigarro que pões nos lábios depois de me olhares e rires que o medo que me vive debaixo da pele que a tua infelicidade militante
já não constroem nada juntos,
- só destroem
e que, já não fazem parte do mesmo puzzle:
que existem centenas de peças sem encaixe e so agora me apercebo da falta delas ali.
Descasco cebola para um refugado especial: o teu corpo cortado em lascas num tacho de aluminio ao lume.
Porque há coisas que dizemos através de palavras que podem ser assomadas de intensidade se à frente do nosso interlocutor cortarmos ossos de joelhos humanos a servir em prato principal num almoço de primeiro dia do ano.
Ontem à noite tive uma almofada na barriga e percebi que o ar entra e sai de mim sem consentimento:
a almofada
para cima
para baixo
- tenho o corpo alugado, só isso
para cima
para baixo
- e tenho pena do dia em que o tiver de deixar
para cima
para baixo
- debaixo da terra, mal protegido num caixão a ser devorado por bichinhos gulosos e viscosos cheios de fome: fome de mim
para cima
para baixo
Um dia morro porque o ar deixa de fazer almofadas na barriga subirem e descerem
-como o amor
para cima
para baixo
-como quando somos felizes e só queremos andar descalços a dançar nús pela casa
para cima
para baixo
E ai, percebo então que é possível que tenha morrido, e que, como tudo,
- primeiro estranha-se depois entranha-se
para cima
para baixo
Não sei como te dizer isto de outra forma:
não sei como te explicar que o teu carro
que aquele bosque onde o costumas parar para me fazer gritar
que tu que eu que o teu corpo que o meu que o teu prazer que o meu que a minha cama que nós os dois nela que tu despido que eu ali que as minhas alucinações que a tua barba por fazer que as minhas unhas a cravarem felizes as tuas costas que aquilo que és ai dentro onde tudo se parte que o que eu sou aqui onde tudo arde que a música argentina que sempre me pediu o corpo que o cigarro que pões nos lábios depois de me olhares e rires que o medo que me vive debaixo da pele que a tua infelicidade militante
já não constroem nada juntos,
- só destroem
e que, já não fazem parte do mesmo puzzle:
que existem centenas de peças sem encaixe e so agora me apercebo da falta delas ali.
Subscrever:
Mensagens (Atom)